Manchete
(Notícias Lusófonas)
Rota africana da Al-Qaeda passa também por Angola
- 26-Sep-2005 - 0:32
A questão islâmica tem sido largamente debatida em Angola, havendo quem
questione das vantagens do aparecimento e proliferação de mesquitas em Luanda
e em algumas outras cidades angolanas
O Semanário Angolenese (SA), sob o título”As pegadas de Al Qaeda em Angola”
traz na primeira página como Manchete a passagem e, ou, fixação de elementos
ligados à Al Qaeda em Angola, nos últimos anos, em grande parte devido não só
a sua extensa e vulnerável fronteira nacional mas também por causa na
aproximação, cada vez maior – e compreensível e desejável – aos
norte-americanos e ao mundo ocidental. De certa forma na linha do que uma
investigação do Notícias Lusófonas que, em Fevereiro 2003, titulava em
Manchete: “Iraque e Al-Qaida recrutam mercenários em todo o lado”, alertando
para a recruta de angolanos e portugueses por pessoas afectas a Saddam Hussen
e Bin Laden para a elaboração de “alguns serviços” e “levar algumas
encomendas para pontos estratégicos da Europa”. Mas não é só Angola onde os
fundamentalistas islâmicos estão sedeados.
Por Eugénio Costa Almeida (*)
Este semanário relembra, ainda, das células fundamentalistas descobertas em
países como Argélia, Chade, República Democrática do Congo, Djibouti, Egipto,
Guiné-Bissau, República da Guiné-Conacry, Líbia, Mali, Mauritânia, Nigéria,
Somália, Sudão, Tanzânia e Tunísia.
Relativamente à Somália, o Diário de Notícias, na edição de domingo de 25 de
Setembro passado, refere que 7 elementos terão sido detidos na
auto-proclamada República Somalilândia (no Norte do país) e que outros dois
suspeitos estarão em fuga algures na localidade de Hargeisa, a
auto-proclamada capital.
Ainda segundo o SA, alguns dos eventuais elementos suspeitos de pertencerem a
Al Qaeda, embora de ascendência árabe, são de nacionalidade brasileira e
paraguaia e estarão ligados às redes do narcotráfico.
De notar que, ultimamente, a questão islâmica tem sido largamente debatida em
Angola, havendo quem questione das vantagens do aparecimento e proliferação
de mesquitas em Luanda e em algumas outras cidades angolanas.
Todavia, o bispo emérito da Igreja Metodista Emílio de Carvalho não parece
preocupado com essa penetração islâmica. Para aquele bispo metodista, com
larga obra publicada, nenhuma religião deve ver cerceado o seu crescimento e
divulgação desde que os seus princípios religiosos e societários se pautem
pelos princípios humanistas da religião e cumpram com os preceitos da
sociedade onde estão inseridos. E quem diz o Islamismo, diz uma qualquer
outra religião.
Mas a realidade angolana parece não ir por esse caminho.
De acordo com os meios de comunicação social angolanos, nomeadamente o citado SA e, indirectamente, o Independente – ao referir a expulsão de cidadãos
nigerianos por viverem ilegalmente em Luanda –, os islamitas estarão
claramente disseminados na sociedade angolana: desde o Ministério do
Interior, onde trabalha um dos líderes de uma das mais fortes sociedades
islâmicas do país, a Comunidade Angolana dos Muçulmanos Crentes (CAMC),
fundada em 1996 por Kapeco – Benguela, Huambo, Bié, Kwanza-Sul, Lundas e
Cabinda serão locais onde estará bem implantada –; a partidos políticos, como
o Udpa (pertencente à Convenção Nacional Democrática de Angola que agrupa
vários partidos e grupos políticos, entre eles a FNLA e o PDA), cujo
presidente é José do Nascimento e o Secretário-geral é Pedro Emous,
reconhecido pelo islâmico nome de Saidy os quais fundaram primeiro o Centro
Islâmico de Documentação e, mais tarde, a Nahduatul Islâmico de Angola cuja
finalidade principal será obter fundos para o seu partido; ou o PDP-ANA cujo
presidente da Comissão de Disciplina e Controlo é Niiti Mansur e fundador da
Liga Islâmica de Angola, de orientação sunita.
Mas não serão só organizações internas angolanas que fazem a transmissão
directa da mensagem islâmica. Segundo pessoas ligadas à segurança interna e
ao poder existem cerca de uma vintena de organizações internacionalistas em
Angola.
De entre elas destacam-se:
A Associação Islâmica para o Desenvolvimento de Angola (AIDA), liderada pelo
guineense Niame, que teve a sua origem na Africa Muslim Agency, uma
organização xiita de origem koweitiana e liderada por um marroquino
abertamente conotada com movimentos terroristas islâmicos. Nesta altura a
AIDA parece estar unicamente virada para a educação e para a construção de um
centro de saúde em Luanda;
A Associação Ansar Suna (AAS) fundada em 1998 por um sudanês mas, actualmente liderada por um congolês-democrático. A sua principal função é doutrinar as populações segundo princípios ultra-fundamentais islâmicos. Estão próximos dos talibans;
A Comunidade de Divulgação de Documentação da Religião Islâmica em Angola,
também reconhecida por Cdria/Dawah-Angola, claramente sunita, é
reconhecidamente uma organização vocacionada para a instrução militar. Tendo
sido a primeira organização islâmica a operar em Angola, e sabendo que alguns
angolanos estão a operar no Iraque, compreende-se como ainda se mantém
operacional no país.
Mas também existem ONG’s que a coberto da solidariedade social, mais não são
que organizações recrutadoras de pessoas para a islamização forçada,
nomeadamente em países onde a doutrina islâmica faz parte integrante do
aparelho de Estado.
Relembro que a Associação de Beneficência de Angola (ABA), de orientação
sunita, foi, em tempos, referenciada como tendo sido a “fornecedora” de
jovens angolanos para o Mali a fim de serem islamizados.
A maioria dos jovens, desempregada, aceita, sob a capa da formação, serem
levados para outros países de onde, teoricamente, virão melhor preparados
para contribuírem para o desenvolvimento nacional.
Todavia, e na prática, acabam por serem submetidos à doutrinação imperativa do
Islão.
E aqui, relembro que num ensaio publicado em 2003, “Fundamentalismo Islâmico:
A Ideologia e o Estado” (ed. Autonomia27) relembrava que, ao contrário do que
se teria passado nos séculos anteriores, a progressão do Islamismo, quer como
força religiosa, cujos princípios são credíveis e acatáveis como qualquer
outra religião humanista, quer como doutrinária – e aí essa expansão poderia
ser preocupante – não mais estaria contida nas suas fronteiras naturais, ou
seja, no caso africano, nas florestas equatoriais. Moçambique a o caso
afro-austral mais paradigmático, onde sobressai um fundamentalista islâmico,
do ramo xiita, Ya-Qub Sibindy, do Partido Independente de Moçambique (PIMO)
e, claramente, apoiado pela Líbia.
Recordo uma passagem do livro, inserido nas Considerações Finais, sob a
presença islâmica no Continente africano. “Apesar dos significativos esforços
que, conjuntamente, os dirigentes africanos, com especial destaque para os
dos países do Magreb, e os europeus vêm a desenvolver, a onda fundamentalista
islâmica parece longe de estar contida nas suas fronteiras geo-históricas.
Uma das medidas preconizadas por esses dirigentes, destacando-se os países da
margem norte do Mediterrâneo, para a contenção dessa onda, prende-se com a
melhoria de vida do povos do Norte de África, – principal região donde provém
o maior foco de instabilidade integrista na Europa. – Para tanto, procuraram
desenvolver as principais actividades económicas da região, no âmbito do
comércio, serviços e indústrias, elevando assim o nível de vida das
sociedades muçulmanas dessa região, aumentando a riqueza e reduzindo
substancialmente o desemprego. Ou seja, conter esses povos na região,
fixando-os nas suas terras natais. Daí que alguns países magrebinos tenham
celebrado com a UE acordos preferenciais de associação e “joint-ventures” com
vista ao desenvolvimento económico de certas regiões.
Igualmente diminuir a profunda dependência cultural da religião pode ser uma
medida necessária e oportuna, isto, porém, sem nunca desprezar o poder
histórico que a mesma tem nas sociedades islâmicas. A Sharia é, na grande
maioria dos Estados muçulmanos, a Lei Fundamental do país.
Outra das medidas que os dirigentes moderados da região vêm tomando, em
particular na Argélia e no Egipto, prende-se com a contenção das ideias
fundamentalistas islâmicas provenientes da Líbia, Sudão e Irão. A maioria
mantém relações cortadas ou congeladas com estes países islâmicos,
considerados a par da Síria (este na óptica norte-americana) os países
exportadores do terrorismo fundamentalista islâmico.”
Ontem como hoje, a situação mantém-se inalterável. Talvez, e preocupantemente,
mais evidente.
Não será com o encerramento das mesquitas – até porque até ao presente a
religião islâmica ainda não conseguiu impor-se como tal pelo facto de não ter
conseguido obter as 100 mil assinaturas exigidas e em dois-terços das
províncias do país – mas tão só com o controlo dos movimentos islâmicos que
proliferam sob a capa da solidariedade. Será isto um acto e uma defesa da
Censura. Seja-o; mas primeiro está a defesa dos princípios que devem nortear
a vida e segurança nacional; depois há a convivência internacional. Numa
comunidade cada vez mais globalizante, uma não é indissociável da outra.
(*) Mestre em Relações Internacionais e Doutorando em Ciências Sociais
Recent Comments