MEMÓRIAS DA GUERRA EM ANGOLA
O Despertar dos Combatentes
AUTOR Joaquim Coelho
EDITORA Clássica
384 págs.
O grosso volume "O Despertar dos Combatentes - Fotos com estórias em
Angola" é o resumo de uma série de rascunhos que o militar Joaquim de
Sousa Coelho escreveu durante os primeiros anos da guerra colonial,
na década de 60, ficando assim como testemunho de uma época.
O autor procurou trazer mais luz para "aqueles anos de angústia e de
sofrimento" em que dezenas de milhares de jovens portugueses seguiam
anualmente para África, de onde alguns nem sequer voltavam. E fê-
lo "em memória dos que morreram como heróis inocentes e dos
estropiados do corpo e da alma", recordando que "ainda estão por
resgatar algumas centenas de corpos dos combatentes que o Poder
renegou e que, por falta de dinheiro para os trasladar e entregar às
famílias, ficaram enterrados nos tocais mais recônditos".
Trata-se do primeiro livro de uma anunciada série de três sobre o
quotidiano dos soldados em Angola, Moçambique e Guiné, os três
teatros da guerra que se travou de 1961 a 1974 e que muitos dos
portugueses com menos de 35 anos não sabem hoje o que teria sido,
apesar de ela haver afectado seus pais e outros parentes. Navios como
o Vera Cruz e o Massa andavam então em viagem constante do Tejo para
os portos africanos, a transportar carne para canhão arrancada das
lavras e oficinas, para defesa de uma política que acabou por se
revelar impossível.
Os dias de terror de Março de 1961 no Norte de Angola estão bem
documentados nas fotografias com que Joaquim Coelho ilustra este
impressionante documento, sobre tudo o que se passou em Damba,
Maquela do Zombo, Nambuangongo e tantos outros lugares que antes do
25 de Abril povoavam o nosso imaginário.
Meios de transporte insuficientes para tanta tropa, comida e bebida
por vezes escassas, quando se estava no mato, armamento inadequado -
tudo isso é denunciado por este homem, natural de Penafiel, que
esteve na Força Aérea Portuguesa e nas Tropas Especiais de
Intervenção, havendo colaborado como repórter fotográfico com o
jornal diário Província de Angola e com a revista semanal Notícia, de
Luanda. Para que a memória perdure e se consigam esconjurar os
fantasmas de um passado recente. JORGE HEITOR
ESTÓRIAS EM LUSO-QUIMBUNDO
Macandumba
AUTOR José Luandino Vieira
EDITOR Caminho 184págs.,
Acaba de ser publicada na Editorial Caminho uma reedição de três
estórias de José Luandino Vieira, inicialmente publicadas em 1978,
sob o título "Macamdumba", para ficarmos a conhecer melhor a obra de
quem julgou ser possível a simbiose entre uma língua europeia e o
quimbundo, do grupo banto.
O sapateiro-andante Pedro Caliota, os brancos de baixa condição, os
cabo-verdianos, os naturais de São Tomé e, sempre, sempre, a gente
dos musseques, os bairros de areia grossa da periferia de Luanda, são
os protagonistas destas estórias sobre a paradigmática década de
1960, quando os povos de Angola pegaram em armas para acabar com a
colonização. Escritor de leitura extremamente difícil, válida
sobretudo como documento de uma época, sinal de revolta, Luandino
(nome de adopção) dá-nos aqui o retrato do tempo em que ainda não
fora possível alfabetizar devidamente as populações e que por isso
mesmo elas tinham de fazer uma ginástica tremenda entre o falar dos
seus pais e a língua do colono.
O contista que se começou a revelar no fim dos anos 50 e que escreveu
o seu primeiro romance em 1961, precisamente o ano em que começou em
Luanda e no Norte do país a luta pela independência de Angola, foi um
dos primeiros e quiçá um dos últimos a usar em grande escala
expressões em quimbundo pois que os novos poderes viriam a
privilegiar claramente o português.
A crioulidade e o hibridismo são coisas patentes na autêntica ponte
entre dois continentes que é a escrita deste autor de 11 livros
essencialmente dedicados à cidade que o viu crescer e onde foi
durante largos anos uma figura de proa da intelectualidade. As
estórias que ora nos são dadas sob uma bela capa de António Ole já
tinham conhecido, pelo menos, edições em 1978, 1989 e 1997,
designadamente em braille.
JORGE HEITOR - PÚBLICO - 03.09.2005