O título deste escrito é dado pelo texto da jornalista portuguesa Clara Ferreira Alves publicado no dia 14 de setembro tendo como epigrafe: Negros, Onde Estão.
Ao analisar o drama de New Orleans que realmente chocou o mundo inteiro a jornalista questiona-se pelo fato dos negros ricos e abastados dos Estados Unidos não se sensibilizarem e nem se solidarizarem com seus irmãos também negros a ponto de não aparecerem publicamente manifestando seu apoio não só moral, mas financeiro e, sobretudo material as vitimas da devastadora Katrina, deixando esta responsabilidade nas mãos dos brancos e da menina de ouro Oprah Winfrey, citada como sendo a única com maior consciência social dentre os americanos.
Realmente todas as questões levantadas por esta jornalista merecem uma grande consideração e ponderação atendendo a veracidade dos fatos que ela aponta.
Embora os negros dessa parte sul dos Estados Unidos sejam realmente os mais pobres e as maiores vítimas das assimetrias econômicas dos Estados Unidos, ao mesmo tempo não tendo grande influencia na determinação dos vencedores e perdedores das principais eleições do país, todos sabem que foi ali que nasceu o Blues e o Jazz ritmos que deram novos contornos a industria musical norte americana e mundial enriquecendo milhares.
Sobre os acontecimentos resultantes do furacão quase nada direi, porque nada ha a acrescentar. Mas proponho-me a discutir algumas idéias levantadas pela citada jornalista no seu texto quanto o olhar tranqüilo e indiferente de alguns negros face ao que se vive em New Orleans.
Em primeiro lugar é importante notar que os problemas levantados pela jornalista incidem mais é na cor dos indivíduos e não na sua dignidade como pessoas humanas. A solidariedade não deve estar confinada a gente da mesma cor, mesma nacionalidade, mesmas crenças ou quaisquer outras afinidades. Nem por isso merece maior atenção deles. A solidariedade, como se compreende na etimologia da palavra é de quem pode para quem não pode, não interessando com quanto pode ou como pode. Sendo que ninguém devia orgulhar-se por ajudar certo tipo de gente, mas por estar a contribuir no bem estar de pessoas humanas.
Embora todos os homens estejam convidados à solidariedade, este ato é extremamente voluntário, gratuito e de coração, sendo que ninguém deve sentir se impungido ou constrangido a ajudar. Assim também ninguém devia orgulhar-se por ter ajudado determinada pessoa necessitada.
Falando em solidariedade, alguém uma vez afirmou que: o que a tua mão direita faz não o saiba a esquerda.
Na América como em África quem menos ajuda os negros são os negros, assim diz a jornalista. Não sei até que ponto essa afirmação é verdadeira. Mas um ponto muito importante nisso é a situação de vulnerabilidade a que os negros do mundo se encontram. Não precisarei descrever as condições sócio-econômicas a que os negros de New Orleans estão votados, vivendo num total submundo e praticamente sem condições mínimas de cidadãos. Num país como os Estados Unidos, entende-se desde logo que isso é o resultado de falta de políticas publicas viradas ao bem estar daquelas pessoas.
Posso afirmar que essa falta de políticas publicas viradas ao negro nos EUA é voluntária e intencional, na medida em que o país é quase o determinador da economia do mundo. Sabendo que o poder político e a maioria do poder econômico nesse país não pertence aos negros, vemos que não são eles quem menos ajudam.
É importante notar que mais do que de solidariedade, as pessoas de qualquer parte do mundo necessitam é de políticas publicas inclusivas. A vida das pessoas humanas não deve depender da solidariedade ou da boa vontade dos ricos e abastados. O cidadão cria o Estado para que este garanta o mínimo necessário para manter a sua dignidade como pessoa.
A demais, olhando para a evolução histórica da economia global, vemos que desde os seus momentos primitivos uma minoria de homens investiu bastante na construção de uma relação de dependência em relação à maioria. E essa dependência ganhou maior dimensão e destreza na relação entre o norte e o sul do Equador. Sobre tudo na relação entre brancos e negros. Ou seja, colocar o negro numa situação precária e de dependência a fim de que ele não consiga por si mesmo obter o mínimo necessário à pessoa humana.
É, pois esse o instrumento que o homem branco continua usando para construir a sua hegemonia e domínio no mundo.
Se os negros tiverem alguma culpa nisso, será com certeza a sua indiferença quanto ao assunto, a corrupção generalizada e a falta de transparência nos sistemas de governo. Pois é já também, o tempo dos africanos compreenderem que as ajudas solidárias dos brancos constituem um instrumento de construção dessa dependência, investindo na corrupção e na pobreza absoluta dos negros em beneficio dos brancos que vão ditando as regras.
Sobre o racismo dos negros contra os negros, citado no mesmo texto, mais uma vez encontramos aqui a relativização dos problemas que deviam ser enfrentados na generalidade. O racismo é racismo, seja ele praticado por negros ou brancos e deve ser condenado por todos independentemente de quem parte e a quem é direcionado. Não ha juízo de valores quando se trata de problemas como o racismo, pois o racismo de brancos contra negros não é menos grave que o racismo de negros contra negros. Nem o racismo de negros contra negros é mais grave que o racismo de brancos contra negros. Tudo é racismo devendo ser negado e condenado na mesma proporção.
Os homens são racistas porque ignoram o verdadeiro conceito da pessoa humana e da humanidade, essa ignorância pode atingir a todos os homens que habitam na terra. Ninguém é racista por ser branco ou negro.
É, pois nossa obrigação como humanos, lutar contra o fosso entre as pessoas e não entre as cores ou lugares. É nossa obrigação construir em nossas mentes a consciência e noção de humanidade e de igualdade, assumindo que todos somos partes do sistema, com mesmas obrigações e direitos, sendo que as barreiras muitas vezes levantadas entre nós considerando a cor, raça, sexo, naturalidade, condição social e até graus acadêmicos só beneficiam minorias reduzindo ao ridículo todos os nossos discursos e ações.
Custódio Duma
Veja:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/09/negros_onde_est.html