Por Vasco Fenita
Se estivesse viva, Noémia de Sousa, poetisa moçambicana (ou poeta, em designação mais apropriada face à sua envergadura) , completaria setenta e nove anos no pretérito dia 20 de Setembro.
Noémia de Sousa, nome por que é literariamente conhecida Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares, nasceu na Catembe e emigrou para Portugal em 1951. Deste país, rumou em 1964 para Paris (França), onde permaneceu até 1975, altura em que decidiu regressar e fixar residência em Lisboa, até à sua morte ocorrida a 4 de Dezembro de 2002.
Considerada figura inalienável da literatura moçambicana, sobretudo da vertente poética, Noémia de Sousa destacou-se particularmente na abordagem de temas de exaltação de valores patrióticos e de denúncia da opressão colonial. A sua produção poética encontra-se dispersa em diversas publicações nacionais e estrangeiras.
Das quais, foram coligidos por Nelson Saúte os poemas que deram à estampa o único livro publicado em vida, em 2001, sob o título “Sangue Negro”. Acerca do qual, o abalizado crítico literário Francisco Noa afirmou: “Feita arma ou confissão, a poesia de Noémia de Sousa , reunida na obra “Sangue Negro”, exprime não só as inquietações de espírito de um sujeito, claramente localizado no tempo e no espaço, como também prefigura sentimentos, percepções e aspirações, onde converge toda uma nação por acontecer.
Daí que defendamos que a poesia de Noémia de Sousa, declamatória e musical, concorre decisivamente para a emergência tanto da consciência literária como da consciência de cidadania de um país que ainda não existia, como diria José Craveirinha.”
O excerto do poema “Se me quiseres conhecer”, que a seguir transcrevemos, traduz o arreigado espírito nacionalista de Carô (como era afectuosamente tratada pelos familiares e amigos) que sonhava e lutava sem tréguas por uma pátria livre e soberana:
Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos bem de ver
Esse pedaço de pau preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Trabalhou e talhou
Em terras distantes lá do norte.
Ah, essa sou eu:
Órbitas vasias no desespero de possuir a vida.
Boca rasgada em feridas de angústia,
Mãos enormes, espalmadas,
Erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
Corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
Pelos chicotes da escravatura
(...)
WAMPHULA FAX – 30.09.2005