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Tratou-se do culminar de um clima de tensão, que se vem avolumando desde as eleições intercalares, de 21 de Maio último, disputadas pelos candidatos Amadeu Pedro, da Frelimo, e Saíde Assane, da Renamo, para a presidência daquele município, na sequência da morte por doença do respectivo edil, Camissa Abdala, em Outubro do ano passado.
Os acontecimentos desta semana já eram previsíveis desde a véspera da realização daquelas eleições, já que, dias antes do escrutínio, começou uma movimentação desusada de quadros seniores de ambos os partidos, das capitais provincial e do País para aquela vila com o fito de cada um controlar da mesma forma possível o desenrolar das eleições. Também, segundo observadores nacionais e internacionais, efectivos policiais extra, idos de Pemba, foram movimentados para Mocímboa da Praia, alegadamente, para a manutenção da lei e ordem.
No fim do processo eleitoral e durante o processo de contagem dos votos, quatro funcionários da Renamo foram detidos pela Polícia e libertados 24 horas mais tarde, sob a algegação de que estavam a perturbar a ordem pública”, ordem essa nunca especificada nem tipificada pela polícia que os deteve.
Um observador nacional independente, citado pelo Boletim número 32 da AWEPA, notou que durante o processo de contagem de votos “altos funcionários de ambos os partidos andavam à volta das assembleias de voto, numa extrema, violação do clima de tranquilidade que o processo exige, mas apenas os funcionários da Renamo foram detidos”.
No dia 22 de Maio, a Renamo protestou que mais de “500 votos a favor de Saíde Assane foram inutilizados com tinta indelével para fazer uma marca extra no boletim de voto”.
A CNE rejeitou esse protesto, alegando falta de provas. O Conselho Constitucional rejeitou, igualmente, o protesto da Renamo alegando que, por lei, aquele Conselho só pode considerar queixas que possam alterar o resultado da eleição.
Contudo, segundo o supracitado Boletim da AWEPA, “embora o Conselho Constitucional esteja tecnicamente correcto ao decide que as queixas da Renamo sobre as eleições intercalares de Mocímboa da Praia não mudariam o resultado, observadores independent também tornaram claro que algumas das objecções da Renamo são válidas”.
De acordo com o mesmo Boletim, “em particular, foi claro que houve votos tornados nulos pelo menos em uma assembleia de voto, e, provavelmente, em pelo menos quarto. Na escola primária Pandique em Nanduadua ( números de registo 0B724/04 e 0B874/04) 100 dum total de 745 votos (13%) foram declarados nulos. Durante a contagem, delegados do partido Renamo reclamaram que a segunda escrutinadora estava a usar a almofada de tinta posta ao lado para os eleitores iletrados votarem por impressão digital, e durante o processo de contagem ela punha uma dedada extra nos boletins a favor da Renamo de modo a torná-los nulos”.
Mais tarde, o ZAMBEZE apurou que tal funcionária da mesa de assembleia de voto que punha aquelas dedadas extra era esposa do administrador distrital de Mocímboa da Praia, o que revela, por um lado, a ausência de código de ética dos agentes eleitorais e, por outro, a falta de uma clara definição de conflitos de interesse nos nossos órgãos eleitorais em que esposas podem fazer parte do processo de eleição dos cunhados e/ou primos do marido!
“ (…) A Renamo reclama também que tentou fazer um protesto formal na altura, mas o pessoal da assembleia de voto recusou aceitar o protesto”, escreve aquele órgão.
Em relação à alegada falta de provas da Renamo, alegadas pela CNE, o Boletim da AWEPA escreve o seguinte:
“A CNE rejeitou as queixas da Renamo por falta de “prova material”. Mas isto cria uma situação impossível. A única “prova” possível são os votos tornados nulos, mas todos os “nulos”ficam em poder da CNE”.
Noutro desenvolvimento sobre o mesmo assunto, o Boletim diz não crer que a “CNE possa ignorar simplesmente queixas sobre nulos, porque é impossível apresentar provas. Em vez disso, pensamos que a excessiva percentagem de nulos, como aconteceu na Escola Secundária de Mocímboa da Praia, deve ser aceite como evidência suficiente para provocar uma investigação adicional da parte da CNE, especialmente quando a CNE tem a prova dentro do seu próprio gabinete”.
Eis, em nossa modesta opinião, a génese do conflito, eis a génese das mortes que hoje estão a espantar meio mundo na vila da Mocímboa da Paria, e no País.
Por outras palavras, o que estamos hoje a assistir é o produto da injustiça de uma orquestração eleitoral parcial e organicamente montada para favorecer um dos lados do pleito.
Estamos todos, povo, Conselho de Ministros e demais quadrantes da opinião pública a condenar os efeitos de um processo, cujas causas permanecem intactas. Ninguém está a condenar as manobras eleitorais que sempre se perpetram com vista a ganhar-se vitórias fictícias.
O que deve ser condenado em Mocímboa da Praia, a nosso ver, não é a manifestação pública legal ou ilegal da Renamo. O que deve ser condenado é o que leva a que os nossos processos eleitorais estejam pejados de zonas obscuras que só acabam favorecendo o partido no poder e, daí, encher de raiva pessoas que viram como tudo aconteceu. Uma coisa é ver a injustiça a ser barbaramente praticada perante a cumplicidade das autoridades, outra coisa é ouvir versões parciais e convenientes de uma situação de injustiça.
Por que é que uma pessoa que é apanhada a invalidar um boletim de voto é deixada à vontade como se não tivesse praticado nenhum crime eleitoral? Só porque o tal crime favorece o partido no poder? Será que o partido no poder sustenta-se com base em actos criminais? Se não é assim, então, por que é que esses actos criminais não são punidos, internamente, pelo próprio partido, já que os órgãos eleitorais e de justiça deste País parecem só ter um único olho para ver e combater os que não colaboram com o partido no poder?
O que, a nosso ver, cria muitas frustrações a algumas pessoas ao ponto de se lançarem a actos suicidas é o tamanho da injustiça que as pessoas vêem a ser praticada à luz do dia, perante a cumplicidade das autoridades que deveriam punir tais actos ilegais.
Durante a contagem de votos das eleições gerais e presidenciais aconteceu que fiscais e membros das mesas de voto dos partidos da oposição, em Tete, Gaza, Manica, Nampula e Zambézia, foram, pura e simplesmente, detidos pela Polícia e, inexplicavelmente, libertados após as respectivas contagens, com alegações pueris e sem fundamento legal.
Não é issso que leva uma pessoa, em certos momentos, a pensar que “vale a pena morrer do que tolerar isto”?
É assim que se derramou sangue em Montepuez, é assim que se derrama sangue em Mocímboa da Praia, é assim que poderia ter derramado sangue em Changara, Mágoè, Zumbo, Chiúta e Tsangano. É assim que se poderia ter derramado sangue em Xai-Xai, Mabalane, Chicualacuala, Manjacaze e Massangena. É assim que se poderia ter derramado o sangue em muitos outros pontos deste País onde, durante o processo eleitoral, os órgãos de administração eleitoral se confundem com os concorrentes partidários e tudo fazem para distorcer a vontade do povo, deixando, fraudulentamente, passar pessoas e candidatos não escolhidos pelo povo.
O comunicado emitido Terça-feira pelo Conselho de Ministros, tanto é deste órgão como poderia ser do partido Frelimo, já que o mesmo apenas condena a Renamo, de forma parcial e partidária, e não averigua as responsabilidades dos agentes do Estado nesses acontecimentos, nem menciona o papel dos militantes da Frelimo, incentivando, deste modo, a Polícia, a PGR e os tribunais locais a agirem de acordo com a linha de orientação desse comunicado, sem realizarem nenhuma investigação independente dos factos que deram origem às mortes.
Semelhantes instruções vimos a serem cegamente cumpridas em Montepuez, em Novembro de 2000, o que resultou numa carnificina de mais de 200 moçambicanos nas mãos dos agentes do Estado. Até aqui nenhum familiar desses moçambicanos foi indemnizado pelo Estado, apesar de a Constituição afirmar que o Estado assume os prejuízos causados pelos seus agentes.
Alguns órgãos de comunicação social fartam-se de ouvir apenas o administrador distrital de Mocímboa da Praia sem lhe acrescentar outras vozes concernentes da mesma história, o que traz uma falsa imagem do que se passou, já que, sabemos todos, o administrador fará tudo para que do lado que ele representa não haja nada a repreender.
Assim, vai andando esta democracia, assente na injustiça e na falsidade das instituições que tanto dinheiro custam aos mesmos cidadãos vítimas da sua parcialidade.
Com tamanha injustiça à solta e sem a possibilidade de os injustiçados terem aonde recorrer, não haverá nem paz social, nem estabilidade política e, muito menos, contribuição colectiva para o desenvolvimento sustentável deste belo e grande País.
Em Mocímboa da Praia, não morreram membros da Renamo nem da Frelimo. Em Mocímboa da Praia, morreram filhos legítimos de Moçambique, os quais, independentemente, das suas posições político-filosóficas merecem protecção, segurança e justiça a serem providenciadas pelo seu Estado, o Estado moçambicano.
Chega de injustiça neste País!!!
Salomão Moyana
ZAMBEZE - 08.09.2005
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