Passam 19 anos após a morte trágica do primeiro Presidente de Moçambique, o Marechal Samora Moisés Machel, vítima de um acidente aéreo ainda não esclarecido ocorrido na região de Mbuzini na cordilheira dos Libombos, a noroeste de Maputo.
Vários foram os palpites publicamente lançados sobre as verdadeiras causas da morte de Samora, avultando a versão, ainda não comprovada, do governo moçambicano, segundo a qual, Samora Machel foi assassinado pelo então regime do “Apartheid” da África do Sul.
Essa vaga acusação nunca chegou a ser substanciada em instâncias apropriadas, isto é, Moçambique nunca fundamentou as suas acusações contra o regime do “Apartheid” e nunca se queixou desse regime em nenhum tribunal internacional apropriado. Apenas acusou na imprensa nacional e internacional.
Por seu turno, a União Soviética, proprietária do avião e da tripulação, fez coro às acusações vagas contra o regime do “Apartheid”sem, no entanto, ajudar Moçambique a consubstanciar tais acusações em foros apropriados.
O ponto principal é que existem três versões fundamentais sobre as prováveis causas do acidente fatídico de Mbuzini:
• “O terrorismo de Estado” perpetrado pelo regime do “apartheid”, insistentemente alegado pelo governo de Moçambique;
• “alguém em Moçambique que facilitou tal acto”, como publicamente o declarou Graça Machel, em várias ocasiões;
. ou tudo foi “consequência de erros e negligência da tripulação”, como parece ser a conclusão principal da Comissão internacional de inquérito, que investigou o acidente e publicou o seu relatório.
Depois de longos meses de trabalho da Comissão de Inquérito sobre o acidente, o governo de Moçambique declinou aceitar as suas conclusões recomendando a continuação das investigações, o que, na prática, não tem acontecido, uma vez que o próprio governo de Moçambique pouco ou nada tem feito para que algo de novo viesse à superfície sobre a morte de Samora Machel.
Quanto à senhora Graça Machel, que acusara publicamente “alguém” de Moçambhique de ter facilitado a morte de seu esposo, a mesma Graça Machel veio, mais tarde, declarar que não tinha provas do que dizia.
A questão de possíveis erros técnicos da tripulação na origem do acidente de Mbuzini está, razoavelmente, documentada em relatórios e pareceres da comissão investigadora e dos governos participantes.
O livro de João Cabrita, “A morte de Samora Machel”, lançado esta semana em Maputo, proporciona muito útil informação para se tirar as conclusões sobre o que, realmente, se terá passado na fatídica noite do dia 19 de Outubro de 1986.
Os defensores da teoria de “terrorismo de Estado” sustentam a sua tese, baseando-se num hipotético VOR (Rádio-ajuda à navegação aérea) falso, instalado algures nas montanhas, que teria desviado o Tupolev presidencial da sua rota com destino a Maputo.
“Os que defendem a versão de que o desastre de Mbuzini se tratou de um crime premetidado alegam que teria existido uma rádio-ajuda – o chamado VOR – transmitindo na mesma frequência que a do VOR do aeroporto de Maputo, e que fez com que o Tupolev presidencial se desviasse da sua rota, acabando por provocar a colisão do mesmo”, escreve Cabrita no seu livro, acrescentando que “os argumentos apresentados por Moçambique e pela União Soviética para provar não apenas a existência mas também o recurso a um VOR falso como forma de se provocar o acidente, simplesmente, não convenceram.
Ambos os países, aliás, defenderam pontos de vista de tal modo contraditórios que acabariam por tornar inconsistente a tese do VOR falso.
Sintomático da insustentabilidade dessa tese é o facto de ainda hoje, passados que foram 19 anos desde a data em que ocorreu o desastre, as autoridades moçambicanas continuarem a admitir ser difícil provar a existência do VOR falso”.
Presume o livro de Cabrita que ao insistir na teoria do VOR falso, Moçambique pretendia fazer um aproveitamento político da morte de Samora Machel com um duplo propósito em mente.
Por um lado, utilizar a morte de Samora Machel no âmbito da luta contra o “apartheid”, apresentando o desaparecimento físico como mais um exemplo de agressividade de Pretória em relação aos seus vizinhos.
Por outro lado, ajudar a União Soviética a encontrar uma forma airosa de se desenvencilhar do embaraço de ter que admitir publicamente que, por negligência, uma tripulação sua causara a morte do chefe do Estado de um país aliado.
Ainda os investigadores não haviam concluido a fase da recolha de dados, já o vice-ministro soviético de aviação civil dizia que o acidente de Mbuzini só poderia ter sido consequência de uma das três causas por ele enumeradas, nomeadamente o abate da aeronave por fogo disparado a partir do solo; uma explosão a bordo do avião; ou ainda interferência provocada por aparelhos radiotransmissores situados em território sul-africano. Excluida estava, pois, a hipótese de erro da tripulação”.
O livro de Cabrita sublinha que Moçambique viria a dar o seu aval à teoria soviética sobre o VOR falso, “não obstante o facto de contrariar flagrantemente o parecer emitido por peritos moçambicanos”.
A dado passo, o livro sobre a morte de Samora Machel elucida que “tanto Moçambique como a União Soviética nunca acusaram formalmente a África do Sul de ter utilizado o VOR falso, se bem que, para o consumo público, se alegasse o contrário.
Inexplicavelmente, o governo de Moçambique, apesar de ter rejeitado as conclusões da Comissão de Inquérito, nunca contestou, junto da Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), o teor do respectivo relatório, com a agravante de um jurista moçambicano representar o país no Conselho de Administração daquele organismo das Nações Unidas.
E não obstante o facto de as autoridades moçambicanas publicamente declararem que Samora Machel foi vítima de um crime de terrorismo de Estado, elas nunca recorreram às instâncias jurídicas internacionais para fazerem valer a sua tese, especialmente quando os acusados de presumíveis autores ainda detinham o poder em Pretória e que facilmente poderiam ter sido levados à barra dos tribunais pois representavam um regime que havia atraído contra si a antipatia quase generalizada da comunidade internacional”.
Chegados aqui, ocorre-nos indagar o por quê de o governo moçambicano, sendo sério no que diz sobre a sua convicção em relação aos presumíveis autores da morte de Samora Machel, não fez mais do que falar para demonstrar sua indignação em relação à morte e sua convicção em relação aos presumíveis autores?
Quando o governo de Moçambique afirma que, do lado moçambicano, as investigações sobre a morte de Samora prosseguem o que é que, exactamente, pretende comunicar? Pretende comunicar que o governo ainda está a investigar ou que o governo, de facto, nunca fez o necessário para demonstrar a sua vontade em esclarecer a morte de Samora?
Por que é que a senhora Graça Machel abandonou a sua tese da conspiração interna na morte de Samora? Terá deixado ela de estar convencida de que alguém de dentro tinha interesse em matar Samora ou, pura e simplesmente, abandonou essa tese em troca de sua acomodação no seio da família Frelimo?
Assim, e por ocasião de 19 de Outubro de 2005 exigimos que as autoridades moçambicanas mostrem a sua coerência e seriedade em relação à morte de Samora Machel. Basta de evasivas e de acusações vagas não consubstanciadas em actos jurídicos pertinentes.
É tempo de o governo de Moçambique, por sinal chefiado pelo ainda chefe da Comissão Nacional de Inquérito sobre o Acidente de Mbuzini, Armando Guebuza, encontrar uma forma de explicar ao povo moçambicano quem matou Samora Machel e por que é que o mataram. Trata-se de um imperativo histórico que jamais caduca.
É tempo de ouvirmos a verdade sobre as partes nebulosas da nossa História!
Salomão Moyana - ZAMBEZE - 20.10.2005