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Revela Mariano Matsinha
O Acordo de Lusaka ainda não é do domínio público, sobretudo a parte militar que continua secreta. Ela existe, está guardada a sete chaves pelo Governo da Frelimo, de acordo com o veterano Mariano Matsinha, um dos seus negociadores.
ZAMBEZE - 9/8/2005
Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande, Óscar Monteiro, Bonifácio Gruveta, Sebastião Mabote, Jacinto Veloso, Mariano Matsinha, Xavier Sulila, Joaquim Munhepe, Mateus Malichocho, João Phelembe, Joaquim de Carvalho, José Mosane e Graça Simbine, são os filhos da pátria moçambicana que há 31 anos, num frente a frente na “State House” em Lusaka, na Zambia, confrontaram-se com a delegação portuguesa liderada por Mário Soares para a assinatura do memorando que ficou conhecido nos anais da história por “Acordos de Lusaka”.
Volvidas três décadas da assinatura dos Acordos de Lusaka, um memorando de entendimento que pôs fim à guerra travada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a dominação colonial, o povo moçambicano ainda continua refém desse acordo assinado há 31 anos, em seu nome. Não obstante a data ser comemorada anualmente com pompa e circunstância, os que comandam os destinos da nação moçambicana, nunca lograram sequer pronunciarem de forma clara e ampla sobre as cláusulas deste acordo, até hoje, mergulhado naquilo que se chama de “segredo de Estado”. Estamos a falar do “acordo militar”, ainda não tornado público, mas que no decurso das negociações em Lusaka, constituiu o prato forte.
De acordo com o veterano da Frelimo Mariano Matsinha, um dos que constituiu a delegação moçambicana em Lusaka, “o Acordo de Lusaka é de domínio público, contrariamente ao Acordo Militar que se encontra nas mãos do governo do dia, e, sem ainda data para a sua publicação, de acordo com as parcas informações que diz ter.
A não publicação do referido documento até à data, é de acordo com palavras de Mariano Matsinha, é fruto de compromissos assumidos entre as duas delegações que estiveram reunidas na “State House”.
“Realmente trata-se de um documento importante para se compreender o processo em si, dos Acordos de Lusaka, mas o importante naquela altura era o reconhecimento por parte de Portugal que nós tínhamos direito à independência. Infelizmente não participei na discussão do “Acordo Militar”, e nem sei quais são as cláusulas plasmadas, mas acredito que os portugueses tinham as suas razões em pedir para que não fosse publicado, face à situação em que se encontravam.
O documento está guardado a sete chave pelo governo. Não conheço o seu prazo, mas acredito que a breve trecho será tornado público”, explicou o veterano da Frelimo.
A uma pergunta do ZAMBEZE sobre o cumprimento ou não das cláusulas dos Acordos de Lusaka, Matsinha garantiu que tudo até aqui corre (u) de feição e não há nada ainda por cumprir, tendo acrescentado que tudo quanto está plasmado no acordo de Lusaka, excepto o Acordo Militar é do domínio público e não sofreu alterações e nem omissões.
Hoje, passados 31 anos da assinatura dos “Acordos de Lusaka”, Mariano Matsinha, ora reformado da vida política activa, faz um balanço positivo sobre os mesmos acordos, sobretudo ao período em que o governo de transição tomou os destinos da nação moçambicana.
“Faço balanço positivo do governo de transição, pela coragem e determinação. É de louvar a coragem dos nossos homens que depois do cessar-fogo tiveram coragem de cair no quartel-general dos portugueses. É óbvio que os portugueses já não tinham muitas alternativas, porque o grosso já não queria continuar com a guerra. Mas nesse período, assistiu-se a distúrbios e sabotagens por parte dos portugueses e nós agimos com muita paciência, refere o veterano da Frelimo.
Recuado no tempo, como que a fazer o rescaldo dos acontecimentos, o nosso interlocutor referiu que a assinatura dos Acordos de Lusaka foi o culminar de um processo que iniciou com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974.
Foi assim no dizer de Matsinha que dois meses antes da assinatura dos Acordos de Lusaka, em Junho de 1974, as delegações moçambicana e portuguesa, chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, respectivamente se encontraram pela primeira vez em Lusaka, mas sem no entanto se atingir os seus objectivos.
O interlocutor explica da seguinte forma: “A Frelimo ia com um poder máximo para negociar tudo, enquanto os portugueses apenas pretendiam assinar o acordo sobre o cessar-fogo, deixando tudo em suspenso. Estas foram algumas das dificuldades que tivemos em Junho, dai termos em conjunto elaborado um documento no qual informamos a Portugal que tínhamos negociado mas que ainda não se tinha chegado a um acordo definitivo. Eles por exemplo não sabiam qual era o destino a dar às colónias. A delegação Portuguesa de Junho não tinha poder. O poder político e militar estava nas mãos das forças armadas daí que mais tarde a Frelimo teve que encetar negociações secretas com o movimento militar, na Bélgica, Argélia, Tanzânia, entre outros países. Em linhas gerais, nós educamos os portugueses que era preciso resolver o problema das colónias. Enfrentamos outros percalços porque o general António Spinola continuava amarrado a ideias de federalismo porque tinha esperança que as suas ideias iam vingar.
Ainda sobre os acordos, nós já tínhamos comunicado aos nossos camaradas sobre a data e a hora da entrada em vigor do cessar- fogo e nessa altura os nossos homens já estavam nos quartéis portugueses, e enviamos Alberto Chipande para o quartel general Português em Nampula e depois para Lourenço Marques para restabelecer o processo de paz e evacuar as tropas portuguesas”, explicou.
O nosso interlocutor acrescentou que depois das manifestações havidas depois do 7 de Setembro de 1974, houve uma pressão em Portugal para se parar porque caso os reaccionários portugueses continuassem com os desmandos a guerra iria continuar.
A rematar, Matsinha que manteve dois dedinhos de conversa com a equipa de reportagem disse sentir-se lisonjeado por ter feito parte da delegação das negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Lusaka e explica porquê: “Moçambique hoje tem um grande prestígio a nível mundial, contrariamente ao tempo colonial em que eram vistos como deslocados de guerra. Por outro lado, sinto-me prestigiado por ter vivido e sentido o peso do período colonial (o racismo, a humilhação, entre várias dificuldades) dai ter uma experiência especial”, salientou.
Celso Ricardo
Nota: Por lapso, só agora aqui publico este texto tão importante para portugueses e moçambicanos. As minhas desculpas. Fernando Gil
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