Perguntas:
-Há quem diga que se perdermos as colónias estamos destinados a ser uma província espanhola.
-Acha que Portugal pode manter a sua independência política, viver e desenvolver-se, sem as colónias?
António Guterres
Antes de mais importa referir que, bem acima dos eventuais problemas económicos que daí possam decorrer, está o direito indiscutível dos povos das colónias à sua emancipação.
Emancipação que, para além do estatuto de independência política, deve compreender a libertação das sujeições económicas de tipo neocolonial. Mesmo que isto criasse a Portugal graves dificuldades económicas, estas em nada poderiam afectar o reconhecimento e a aplicação prática desse direito.
Não me parece, porém, que o povo português tenha muito a temer com a separação dos territórios africanos. A exploração a que estes têm vindo a estar sujeitos nunca foi conduzida em termos de beneficiar generalizadamente a população, mas foi sim utilizada sistematicamente como instrumento ao serviço da riqueza e do poder dos grupos económicos dominantes, em perfeito paralelismo aliás com a própria exploração das classes trabalhadoras do continente. A estratégia desses grupos, no entanto, apontava cada vez mais para a sua inserção numa lógica europeia, em detrimento da dependência de relações coloniais.
Poderemos talvez analisar com um pouco mais de cuidado os dois elementos económicos que considero mais importantes nas relações de Portugal com as colónias. Em primeiro lugar a exploração de matérias-primas, em segundo lugar as possibilidades de exportação em condições preferenciais para os mercados africanos.
Quanto ao primeiro, há que referir que essa exploração sempre foi feita de forma incipiente e na maioria das vezes ao serviço puro e simples de interesses estrangeiros. Nunca foi empreendida a valorização sistemática dos recursos naturais ultramarinos, e o aproveitamento destes, quando feito directamente por portugueses, sempre se revelou deficiente. E se é indiscutível que foi possível às empresas portuguesas a importação a baixo custo de algumas matérias-primas, como o algodão ou o sisal e mais recentemente o acesso a fontes seguras de minério de ferro e petróleo bruto, não é menos verdade que a mesma política colonial impedia a Portugal a compra desses mesmos produtos, em condições por vezes concorrenciais, noutros mercados que se fechavam.
Quanto às exportações para a África, cujos dois principais elementos têm sido os têxteis e o vinho, há que reconhecer que os próprios grupos económicos autóctones vinham protestando já há algum tempo com a forma como decorriam, e com a sujeição que em nome dos exportadores europeus era imposta às possibilidades de desenvolvimento das indústrias locais. Manter este tipo de relação, aliás cada vez mais difícil mesmo antes do 25 de Abril, só servia a subsistência de algumas empresas mais retrógradas, menos capazes de reconverter e modernizar as suas instalações industriais e de conseguir condições de competitividade nos mercados europeus que, pela sua dimensão, se afiguram bem mais promissores. Se é verdade que o principal estrangulamento ao desenvolvimento industrial português está na exiguidade do mercado interno, então há que saber reconhecer que é no contexto europeu que pode encontrar-se solução para esse problema. Angola e Moçambique, no seu conjunto, não representam mais, em termos de consumo, que escassos dois milhões de consumidores europeus.
Apesar de tudo nada impedirá, mesmo com a independência, a importação de bens portugueses, sobretudo de equipamento, se estes forem os que corresponderem às necessidades de desenvolvimento dos novos países e se a indústria portuguesa souber encontrar uma competitividade que, mais uma vez, só lhe é possível com a inserção simultânea nos mercados europeus. Assinale-se ainda que se abrirão a Portugal novos mercados, quer os dos países socialistas, quer os do Terceiro Mundo, cujo acesso estava vedado por razões políticas e que, no
seu conjunto, mais do que compensam aquilo que eventualmente se perca.
Finalmente e talvez mais importante que tudo o resto, está o impacte que pode causar na economia portuguesa a canalização pelo Estado para investimentos produtivos e de alcance social das verbas até agora consignadas às defesas militares. Se o Governo tiver o carácter e a força política capazes de as pôr ao serviço de todo o povo português e não do simples benefício e expansão dos grupos económicos privados e da classe dominante em geral, creio ser possível o início de um período acelerado do desenvolvimento. Desenvolvimento para o qual espero possa concorrer também o estancamento da emigração, e mesmo o seu retrocesso, e o próximo regresso do contingente militar em serviço nas colónias.
Não é hoje possível no Mundo, a um país como o nosso, uma situação de total independência. Penso no entanto que, desse ponto de vista e pelas razões apontadas, Portugal só tem a ganhar com o fim da actual situação de exploração colonial. O que comprometia a independência nacional era sim o caminhar obstinado para um beco sem saída, enquanto cada vez mais os trabalhadores mais válidos do país iam emigrando, na luta por condições mínimas de vida e de trabalho.
In Portugal pode viver sem as colónias? - 1974