ACÇÃO DO KGB JUNTO DA FRELIMO
- 11-Oct-2005
Uma "assistente política" do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, foi durante anos informadora dos serviços secretos da antiga União Soviética, KGB, segundo documentos incluídos num livro agora publicado nos Estados Unidos.
Por José Pestana
da Agência Lusa
Mitrokhin, com a ajuda de Andrew, publicou em 1999 um primeiro volume baseado nesses documentos e intitulado " The Sword and the Shield", que confirma alegações anteriormente feitas pelo antigo agente do KGB Oleg Kalugin de que o Partido Comunista Português entregou aos serviços secretos soviéticos centenas de quilos de documentos dos arquivos da antiga PIDE/DGS e documentos de identidade portugueses para fabricar falsas identidades.
Mitrokhin morreu no ano passado, antes da publicação deste novo volume de mais de 600 páginas que visa essencialmente as actividades do KGB no Terceiro Mundo, com um capítulo dedicado a África.
No prefácio, Andrew faz notar que devido ao facto dos documentos trazidos para a Grã-Bretanha por Mitrokhin serem ainda considerados secretos o livro foi submetido a análise das autoridades britânicas que aprovaram a nível ministerial a sua publicação "após longos atrasos".
O livro revela que na hierarquia soviética havia grandes diferenças de opinião sobre Agostinho Neto, que não contava com a confiança do Ministério dos Negócios Estrangeiros soviético, nem do Departamento Internacional do Partido Comunista Soviético.
O livro afirma que embora os representantes do KGB em Luanda (designados por "residência") tivessem "contactos privados" com Neto "a mais importante fonte para conhecer as intenções de Neto, em 1976, era uma assessora politica (do presidente)".
"Com o nome de código VOMUS dado pela KGB, (a assessora) tornou-se um contacto confidencial da residência de Luanda, segundo a qual ela exerceu uma +influência+ favorável sobre Neto e outros elementos da liderança do MPLA, no combate à ideologia maoísta", lê-se no livro.
Sem identificar VOMUS, o livro afirma que esta informadora do KGB foi detida em Junho de 1977 na sequência da tentativa de golpe de Estado de Nito Alves.
No prefácio, Andrews sublinha que era prática do KGB dar nomes de código não só aos agentes da organização, mas também a quem quer que fosse alvo de acções de aliciamento ou mesmo apenas personalidades em governos estrangeiros.
"Nomes de código não são só por si prova de que os indivíduos a quem se referem eram conscientemente ou por vontade própria agentes ou fontes do KGB," diz o historiador britânico. Por escolha própria, o livro não revela os nomes dos agentes do KGB mencionados com nomes de código.
O livro afirma que "tal como Moscovo, a embaixada soviética em Luanda tinha a maior fé em Nito Alves e lamentou que o golpe tivesse falhado".
Um dos elementos do KGB que sempre apoiou Agostinho Neto foi Oleg Nazhestkin, director da divisão em Angola do directório do KGB no exterior, que pela primeira vez contactou Neto pouco antes da independência, em Novembro de 1975, para informar o dirigente angolano que a URSS estava pronta a reconhecer um governo do MPLA.
Esse primeiro encontro começou de forma fria, pois Neto estava convencido que Nazhestkin vinha pressioná-lo a formar um governo de coligação com a FNLA e a UNITA, como Moscovo afirmara pretender até então.
Moscovo mudou de atitude depois do KGB ter avisado o bureau político do Partido Comunista que, sem apoio externo, o MPLA não seria capaz de continuar a controlar Luanda. Esse documento foi assinado por Viktor Chebrikov, vice-director do KGB.
O livro afirma que já depois da independência e por altura do golpe de Nito Alves, Neto queixou-se a Nazhestkin que o KGB estava a passar em revista a "roupa suja" para tentar encontrar "material comprometedor para o usar contra ele".
Anteriormente, Nazhestkin tinha defendido Neto junto do "Centro" (a direcção do KGB) de acusações provenientes de "fontes de confiança", segundo as quais o dirigente do MPLA estaria a desviar fundos soviéticos para uma conta bancária na Suíça.
Num documento enviado ao "Centro", Nazhestkin fez notar que como condição para esse apoio foi exigido que apenas um ou dois indivíduos no MPLA estivesse ao corrente e que só ele deveria decidir sobre questões ligadas à referida ajuda.
"Onde é que ele deve manter os fundos em moeda forte? Na sua gaveta ou numa mochila quando se desloca às zonas libertadas?", escreveu Nazhestkin.
O livro não avança pormenores sobre esta questão, mas revela a vasta rede de informadores e agentes que o KGB infiltrou em movimentos de libertação através de África.
"Em 1970, uma proposta do Centro para o recrutar como agente foi vetada pelo Departamento Internacional (do partido), mas TSOM permaneceu um contacto confidencial do KGB que forneceu informações sobre a FRELIMO e Moçambique," diz-se no livro também sem identificar TSOM.
O KGB teve também, nos anos 60, profundas dúvidas sobre a capacidade da FRELIMO de levar a cabo uma campanha com sucesso contra Portugal.
"O Centro ficou inicialmente abismado com a qualidade dos guerrilheiros da FRELIMO," lê-se no livro.
"Entre 1966 e 1970, o KGB forneceu treino a 21 especialistas da FRELIMO em sabotagem, mas considerou-os todos ideologicamente +primitivos+ e ignorantes da União Soviética, excepto como fonte de armas e dinheiro," afirmam os autores.
A KGB manteve igualmente, durante anos, um agente no conselho de guerra da ZAPU, um dos movimentos de libertação do Zimbabué. Esse agente tinha o nome de código NED e passou mais tarde para o controlo dos serviços de informações militares da URSS, o GRU.
Em 1976, o KGB recrutou dois agentes dentro da SWAPO o movimento de libertação da Namíbia então com sede em Angola.
Um deles era uma "familiar" do presidente da SWAPO, Sam Nujoma, que recebeu o nome de código KASYTONO e que "mais tarde passou a operar como agente dos cubanos".
O outro, com o nome de código GRANT, era membro do comité central da SWAPO e "recebeu pagamentos para fornecer informações sobre os movimentos de libertação na África Austral e sobre as actividades dos chineses e de países ocidentais na região".
O livro revela que o agente do KGB em Londres Oleg Gordievsky entregou, em 1982, ao secretário-geral do Partido Comunista sul- africano, Yusuf Dadoo, 118 mil libras para o ANC e 54 mil para o próprio PC sul-africano, durante um período de seis meses, dinheiro esse que Dadoo em vez de colocar numa mala levou da embaixada "nos bolsos do seu fato e sobretudo".