CARLOSPACHECO*
Parece que Angola está a viver uma fase nova da sua história. Pelo menos em termos de esperança no futuro. Todos reconhecem - desde o cidadão mais comum ao governante - que os capitais produtivos da China podem trazer (ou j `á estão a trazer) benefícios estratégicos ao crescimento económico de Angola; e que a capacidade de trabalho dos chineses é extraordinária.
Contudo, para lá deste ufanismo, algumas incertezas se insinuam no espírito das pessoas. Muitas questões que neste momento já deviam estar esclarecidas, ninguém o faz, nem a imprensa, e muito menos os dirigentes, de quem se esperaria desde a primeira hora respostas concretas sobre as bases
e os programas em que assenta a cooperação com a China. Este silêncio por si é já uma espécie de fogo em rastilho que alimenta o crescente nervosismo dos cidadãos nacionais.
Na verdade, os angolanos estão preocupados. A primeira dúvida é com o problema da mão-de-obra chinesa. Todos os dias desembarcam no país magotes de chineses. À partida o mercado de trabalho tem as portas totalmente franqueadas para eles, que vêm arregimentados da China pelas respectivas empresas que se estão a implantar e a investir
maciçamente em áreas-chave da economia nacional. Apreensivos com esta situação, os filhos da terra perguntam-se: "E nós, que oportunidades nos estão reservadas?"
Outra dúvida é com o comportamento social desses adventícios, que vivem isolados, em regime de auto-exclusão. Em vez de conviverem com os naturais, separam-se. Os angolanos estranham isto e perguntam-se se eles estão no país para se integrar ou se se preparam para formar uma pequena China, à parte, e erigirem à sua volta uma barreira de desconhecimento entre os dois povos.
É legítimo este tipo de objecção. As pessoas, apesar de tudo, têm medo de ver o seu país de repente "invadido" por milhares de orientais e não terem a oportunidade de os conhecer de perto numa dinâmica de inter-relação social; têm medo que este afastamento crie nesses estrangeiros um sentimento de superioridade e a propensão para determinados abusos, como vem acontecendo em Moçambique.
Eu diria ser ainda muito cedo para se ter uma impressão definitiva das coisas. Não se pode esquecer que estes imigrados estão a viver uma experiência nova, feita de mudanças bruscas na sua vida; em alguns casos até dramáticas por terem sido forçados a abandonar o seu
pedaço de terra, a sua casa, a sua família e os amigos. Afinal eles só chegaram a Angola recentemente, tudo lhes és estranho nesse ambiente tropical. Eles precisam de tempo para se aclimatar, para aprender o português, para perceber os paradigmas sócio-culturais que os cercam. Realmente não lhes será fácil realizar este processo de transculturação, que é sempre penoso (é como adquirir uma nova personalidade), ainda por cima num país que se debate no caos depois de uma marcha desordenada da sua história nos últimos 30 anos.
Mas o maior receio é com o expansionismo da China. No fundo, os angolanos receiam a projecção do poder geopolítico desta nação dentro das suas fronteiras. Guardam bem fresca na memória a política de influência estratégica da União Soviética no tempo da guerra-fria que custou a Angola uma guerra civil devastadora. Não que se esteja a
confundir o expansionismo chinês com o expansionismo soviético. Este último teve um perfil essencialmente militarista, caracterizado por uma estratégia de enfrentamento permanente com os Estados Unidos. Na África Austral Moscovo procurou enfraquecer os interesses do sistema capitalista internacional solidamente instalados no país de Nelson Mandela. Por compromissos ideológicos redundantes, de apoio irrestrito às políticas do Kremlin, Angola acabou por funcionar como campo de batalha entre as super potências. Sofreu na carne, o país ficou destruído. Quanto ao expansionismo chinês, as suas premissas são outras. É um expansionismo comercial, de "equilíbrio", como lhe chamou Henry Kissinger, sem veleidades de por ora fazer oposição à unipolaridade dos EUA.
Em todo o caso, Washington olha com desconfiança o poder económico da China (hoje de segundo nível no mundo)], de tal forma que por vezes os seus estrategos exageram na percepção da ameaça representada pelos chineses. Claramente que os incomoda o esforço da China de penetrar em mercados tradicionalmente considerados hegemónicos pelos Estados
Unidos. O hemisfério latino-americano é um exemplo - já se rendeu aos investimentos chineses e às trocas comerciais com o colosso asiático.
As consequências desta nova dinâmica não tardarão a fazer-se sentir na relação de forças dentro da Organização Mundial do Comércio. Por fim a penetração em África, e logo num mercado como o de Angola, incrementou o mal-estar.
Ao contrário do que afirma o sociólogo comunista James Petras, para
quem a China não é um grande poder, a América sente que esta consolidação geo-estratégica na sua periferia de influência começa a ser, como lembrou o jornalista Gary Marx, um contrapeso ao seu poder planetário.
É isto que os angolanos temem, que Angola venha ser de novo confrontada com um duelo de gigantes. Os seus depósitos de petróleo, o seu gás e as suas minas são cobiçadas palmo a palmo pelas economias industriais do Ocidente. E agora também pela China, cujo crescimento vertiginoso lhe impõe necessidades em recursos estratégicos que fatalmente a colocam em confronto com outros poderes rivais. Em
Angola Pequim tece uma laboriosa estratégia que não se restringe aos limites geográficos deste país. Os seus olhos estão igualmente postos na África Central, ou seja, nas riquezas minerais da República Democrática do Congo (mais propriamente no Kivu Norte), onde se localizam 80 por cento das reservas mundiais de colombite-tantalite, mineral utilizado nas indústrias de telefones celulares, componentes electrónicos, centrais atómicas e espaciais, fabrico de mísseis balísticos e fibras ópticas. Estas reservas são controladas pelas principais corporações transnacionais (com os Estados Unidos à cabeça), que dispõem de forças militares próprias encarregadas de
assegurar a defesa das minas.
É um xadrez complicado e perigoso para Angola que, fatalmente, compromete os interesses americanos e até um determinado equilíbrio regional, na óptica do Pentágono e do Departamento de Estado. A posição de Luanda tem de ser o mais hábil possível, em jogo estão os interesses nacionais. Sem esquecer a responsabilidade que cabe ao Governo de José Eduardo dos Santos de deixar perfeitamente claro ao país qual o quadro estratégico em que se estão a desenvolver as
alianças económico-comerciais e financeiras com a China. Só assim as pessoas se sentirão tranquilas.
*HISTORIADOR ANGOLANO
Veja
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/09/chineses_em_ang.html
NOTA: Angola tem uma população estimada em Julho de 2005 de 11.190.786 habitantes, com uma taxa de crescimento de 1,9%. Se, como no artigo anterior, se estima haverem em Angola quatro milhões de chineses dentro de quatro anos, representarão estes cerca de 25% da população. Quem governará então Angola? Quem será então colonialista? Para quê e porquê a descolonização feita há 30 anos atrás?
PÚBLICO - 19.10.2005