Há duas semanas, uma dupla criminosa estacionou o seu veículo em frente de um quisosque na vila da Palmeira, ao longo da Estrada Nacional número 1.
A dupla abeirou-se da empregada do quiosque, perguntando pelo paradeiro do dono da casa.
Na ausência de uma resposta afirmativa, a dupla ligou, através do telemóvel, para o número do senhor Mulhovo, o dono do quiosque, dizendo-o que era precisado com a máxima urgência em sua casa. Poucos minutos depois, o senhor Mulhovo estava no seu quiosque, ao que a dupla exclamou: “É você o tal Mulhovo?” Ele respondeu que era, ao que lhe disseram: “Então, se é você Mulhovo, já está morto!”
Quando o senhor Mulhovo estava a tentar saber por que é que havia de morrer naquele dia, dois tiros de pistola foram disparados pela dupla criminosa contra aquele empresário, tendo se estatelado no soalho do seu próprio empreendimento. A dupla retirou-se em fuga, viajando na viatura que a trouxera, rumo à vila de Xinavane.
O Senhor Mulhovo foi imediatamente transportado pelos circunstantes para o Hospital da Manhiça, donde foi transferido para o Hospital Central de Maputo, onde viria a morrer no dia seguinte.
Terminava assim a curta carreira de um grande homem, empreendedor de mão cheia, homem com vocação para o combate à pobreza atráves de múltiplas iniciativas criadoras, estando presente na área comercial e na área industrial. Era carinhosamente conhecido na vila da Palmeira pela alcunha de “ngamula”, devido à sua força empresarial de querer fazer bem as coisas para si e para a sua comunidade.
A dupla assassina chegou à vila de Xinavane e dirigiu-se a um quiosque por onde passara no dia anterior. No quiosque, a dupla exigiu dinheiro, ao que o empregado respondeu que não tinha, o que lhe valeu, imediatamente, um tiro mortal.
Só que o estrondo do tiro alertou a Polícia local, que estava perto, a qual abriu fogo, matando, de imediato, o atirador contra o empregado de quiosque, e ferindo o seu comparsa, que confessou terem sido eles que acabavam de balear, na mesma tarde, o senhor Mulhovo da Palmeira. Disse que tinham sido mandados por alguém, cuja identidade não chegou a ser revelada pela Polícia para o público.
Já na Polícia da Manhiça, para onde fora levado o ferido membro da dupla criminosa, este perdeu a vida. Ainda não sabemos se já tinha dito tudo sobre a identidade do mandante ou não. Na Manhiça, Palmeira e Xinavane vários empresários estão curiosos em saber quem terá sido o mandante de tão hediondo crime.
Estão esperançados de que a Polícia seja capaz de desenvolver um trabalho que corresponda à sua expectativa, sob pena de uma desilusão geral e crescente onda de especulações sobre uma eventual conivência entre a Polícia local e os mandantes do crime.
Quando ainda dirigíamos este episódio estranho, eis que na última Sexta-feira é mortalmente baleado o director da Cadeia Central da Machava, Miguel Francisco Jorge Microsse, igualmente, em circunstâncias bastante estranhas, embora não muito surpreendentes, dado os avisos anteriores que ele próprio havia recebido de inimigos seus, prometendo matá-lo em ajuste de contas devido à sua frontalidade e verticalidade no tratamento daquilo que ele considerava de desvio no cumprimento das normas de gestão prisional.
Jorge Microsse tinha uma invejável colecção de inimigos dentro e fora do recinto prisional da Machava (BO e Cadeia Central).
Na BO e na Cadeia Central tinha duas categorias de inimigos: reclusos a quem havia retirado muitos “privilégios” de que gozavam na administração anterior, e funcionários prisionais, alguns dos quais demitidos e/ou compulsivamente transferidos para outras unidades prisionais acusados, por Microsse, de práticas de nepotismo e corrupção.
O malogrado, que falava muito à-vontade sobre assuntos sérios, chegou a convidar a Imprensa para apresentar vários objectos proibidos que ele havia mandado recolher no interior da Cadeia Central, dentre celulares, rádios, facas, copos, tigelas, pratos, relógios e muito mais quinquilharias.
Sempre afirmou, publicamente, que a cadeia tinha se tornado num antro de corrupção e promiscuidade em que algumas funcionárias prisionais chegaram a ter filhos com reclusos e vários guardas prisionais eram autênticos empregados de alguns reclusos poderosos, os quais, sentados nas celas, davam ordens aos guardas prisionais e outros funcionários da cadeia para lhes fazer todo o serviço externo, incluindo transportar cartas suas para amigos e familiares na cidade e vice-versa.
Jorge Microsse estava, assim, a levantar um problema que já se tornara parte integrante do “modus vivendi”do sistema prisional nacional e ele apostou em mudá-lo contra todas as vozes que o achavam louco e aventureiro.
Para agravar a sua situação, eis que um dos seus filhos maior é condenado a 16 anos de prisão por assalto à mão armada e é conduzido para a BO, que, embora tenha um director diferente, fica situada no mesmo recinto prisional da Cadeia Central, onde Jorge Microsse era director, o que, não deixou de ser embaraçoso para um dirigente que se pretendia tão exemplar e íntegro.
Alguns tempos depois da prisão, o filho de Jorge Microsse foge da BO, o que, imediatamente, fez chover telefonemas em várias redacções de jornais, em particular aqui no ZAMBEZE, onde fomos insistentemente alertados de que o “director da cadeia central acaba de facilitar a evasão do seu filho da BO”.
A denúncia foi tão séria que a Polícia conseguiu recapturar o filho de Microsse, devolvendo-o à cadeia, onde as suas relações com o grupo de co-prisioneiros passaram a ser muito más e de mútua agressividade verbal e física.
Jorge Microsse recebia relatórios diários do que se dizia na BO a seu respeito e a respeito do filho. Também conhecia os que mais se pronunciavam contra a continuação dele à frente daquela instituição.
Por outro lado, cá fora, havia, igualmente, um forte “lobby” anti-Microsse, “lobby” esse que advogava o seu imediato afastamento da direcção da Cadeia Central.
Um dos sintomas disso, é que, apesar de estar a trabalhar em funções de direcção no Ministério da Justiça há muitos anos, só há pouco menos de um mês é que saiu a sua nomeação como funcionário daquele ministério.
Dizia-se, no seio dos funcionários civis do Ministério da Justiça, que ele não tinha respeito para com as hierarquias e não tinha modos de se dirigir a colegas e responsáveis do sector.
Seja quais forem os inimigos que Microsse tenha coleccionado ao longo da sua vida, nós reprovamos, com toda a veemência possível, o método vil de assassinato de pessoas no nosso País. É que quando há assassinatos de pessoas corajosas e dirigentes verticais fica lançada a mensagem de que neste País quem manda continua a não ser o governo que os cidadãos se fartam de eleger de cinco em cinco anos.
Quem manda, afinal, continuam a ser os dirigentes do crime organizado, os quais escolhem as suas vítimas e escolhem a hora em que essas vítimas devem deixar de viver entre nós.
O ressurgimento do crime organizado, após um breve interregno, é um inequívoco sinal de que os criminosos já avaliaram as fraquezas do actual governo e sabem que o mesmo parece falar mais do que faz as coisas, de facto, pelo que não temem ser apanhados nem castigados pelos seus actos.
O recrudescimento do crime organizado no País é um autêntico desafio à capacidade nacional de gestão harmoniosa da sociedade, querendo o mesmo mostrar quem, efectivamente, possui força necessária para alterar o curso das coisas nesta terra.
Tal como outros males sociais, o crime organizado mata cidadãos destacados e manieta instituições, semeando um clima generalizado de medo e de cumplicidade com o nepotismo e corrupção, o que leva à degradação progressiva do ambiente social, político e económico no País, assustando os investidores estrangeiros e desanimando empreendedores nacionais de desafiarem os obstáculos do combate à pobreza absoluta em Moçambique.
Se a aposta do País é vencer a pobreza absoluta, eis que o primeiro passo é o apetrechamento humano e material das instituições de combate contra o crime, em especial o crime organizado, para serem capazes de punir, com severidade, os seus autores morais e materiais.
Queremos trabalhar sem medo, pelo que exigimos seriedade e sentido de Estado na luta pelo desmantelamento da infra-estrutura do crime organizado no País, infra-estrutura essa que, ao que tudo indica, parece ainda intacta e robusta.
Com crime generalizado, não há tranquilidade social que permita aos cidadãos dedicarem-se a actividades socialmente úteis.
Salomão Moyana - ZAMBEZE - 27.10.2005