O diálogo é prioridade absoluta
José Ramos-Horta pode vir a ser o sucessor de Kofi Annan na ONU. Ao CM garantiu que não tem planos para se candidatar, porque precisa de tempo para escrever o seu livro. Mas se o seu nome for avançado, não rejeitará o desafio e apostará no consenso entre os membros permanentes do Conselho de Segurança.Correio da Manhã – Fala-se numa eventual candidatura sua ao cargo de secretário-geral da ONU, no caso de o seu homólogo da Tailândia, Surakiart Sathirathai, não conquistar apoios suficientes. Vai avançar?
José Ramos-Horta – Apoio a candidatura de Sathirathai. Não tenho planos para me candidatar.
– Se propuserem o seu nome vai rejeitar esse desafio?
– Prefiro dizer que em política não devemos dizer nunca, mas não está nos meus planos.
– O cargo não o alicia? Com a sua experiência, não acha que poderia dar um contributo na reforma da ONU?
– É um cargo estimulante. Poderia dar o meu contributo. Tenho auto-confiança para isso, mas não está nos meus planos porque apoio a candidatura de Sathirathai, que acho seria um bom secretário-geral da ONU.
– Admitamos um cenário em que o candidato tailandês não tenha condições para avançar. Aceitaria candidatar-se?
– Se isso acontecer, terei de reflectir e decidir se aceito ou não.
– Diz-se que já há movimentações nesse sentido. Não foi abordado?
– Ainda é muito cedo. Talvez em meados de 2006 haja movimentações por parte dos interessados.
– E se avançar, o que vai mudar na ONU?
– Não tenho nenhum programa. Posso dizer-lhe a minha opinião. Acho que é necessária a reforma do Conselho de Segurança. É urgente alargá-lo para incluir o Brasil, a Índia, o Japão e a Alemanha (G4). Mas o que é absolutamente necessário é um diálogo entre o G4 e os membros permanentes do Conselho de Segurança para criar consensos. Sem o aval dos membros permanentes, as melhores ideias caem por terra, não passam de ideias.
– Não acha que as reformas estão sempre condicionadas pelos EUA, que qualquer secretário-geral é refém de Washington?
– É preciso saber criar consensos entre os membros permanentes. Esta é uma prioridade absoluta. Em vez de lançarmos iniciativas unilateralmente há que iniciar o diálogo com os cinco [membros permanentes] e a partir daí tentar resoluções.
– Acha que é isso que tem acontecido até agora?
– Sim, em certos casos. Por exemplo, a proposta da reforma do secretário-geral foi feita por um grupo bastante respeitável de personalidades de prestígio. São pessoas supostamente independentes, mas acho que o proceso deveria ter começado precisamente com os cinco.
– Este diálogo é a solução?
– Sim, um diálogo paciente porque pode durar muito tempo. Mas também teria de haver uma reforma das agências especializadas da ONU para as tornar menos dispendiosas e mais eficazes. A burocracia das Nações Unidas é enorme e muito dispendiosa.
– De que forma acha que Timor beneficiaria se fosse secretário-geral?
– Na hipótese remota de eu vir a ter esse cargo, teria seguramente impacto sobre Timor, não em privilégios claro.
– Portugal seria importante no caso de avançar com a sua candidatura. Este assunto nunca foi abordado com Lisboa?
– Não, porque nunca foi contemplada esta candidatura.
– Por que não avançou?
– Porque tenho algumas prioridades. Há eleições em 2007 e quero contribuir para que elas decorram com tranquilidade, transparência e muita paz.
– Encara a hipótese de se candidatar a presidente de Timor?
– O meu presidente e amigo Xanana Gusmão já disse publicamente que eu sou o candidato dele para 2007. Eu ainda não tomei uma decisão. Prefiro que seja ele a recandidatar-se.
– É a candidatura à presidência do seu país que o leva a não ter planos para a ONU?
– Não, não.
– Qual dos cargos o alicia mais?
– Nenhum dos dois. Tenho vida privada. Quero em 2007 ser um ‘best-seller’. Quero escrever e até já tenho contrato com uma grande agência literária americana, a William Morris, mas ainda não consegui terminar um capítulo sequer.
– Sobre o que está a escrever?
– O título do meu livro é ‘Os americanos e o resto de nós’ e acredito que será um ‘best-seller’. Tenho brincado com a escritora Lídia Jorge de que a minha ambição é ‘batê-la’ e ela sempre muito educadamente diz que acredita que isso é possível.
PERFIL
Filho de pai português e mãe timorense, José Ramos-Horta é uma das principais figuras de Timor-Leste e a mais conhecida internacionalmente pela campanha que durante anos orquestrou contra a ocupação da Indonésia e que lhe valeu o Prémio Nobel da Paz em 1996.
Tal como o seu pai, que fora deportado para Timor pelo regime de Salazar, Ramos-Horta viveu muitos anos no exílio, encabeçando a luta pela independência no exterior. Fixou residência nos EUA, onde permaneceu até 1989 como representante da FRETILIN na ONU. Estas funções permitiram-lhe manter relações privilegiadas com chefes de Estado e de governo. Estudou Relações Internacionais, Política e Direito nos EUA, Holanda e França. Não é casado e tem um filho.
"PARA TIMOR SERIA OURO SOBRE AZUL"
“Gostaria muito de ver o ministro Ramos-Horta candidatar-se a secretário-geral da ONU. Seria muito bom para os timorenses. Seria ouro sobre azul”, afirmou ao CM a embaixadora de Timor em Portugal, Pascoela Barreto. Mas a diplomata sublinha que esteve em Díli, em Agosto último, e foi informada pelo próprio Ramos-Horta de que “não é candidato ao cargo”. “Disse-me que apoia a candidatura tailandesa.” Contudo, frisou, “na política aprendemos que nunca se deve dizer nunca”.
"NÃO SEI DE NADA. NÃO COMENTO"
O bispo timorense D. Ximenes Belo, Nobel da Paz, em 1996, em conjunto com Ramos-Horta, está em Portugal onde foi submetido a uma operação aos olhos num hospital do Porto. D. Ximenes, que está em convalescença, não sabe da eventual candidatura do ministro timorense e afirmou, contactado pelo CM: “Não tenho informações sobre o assunto, não tenho nenhuma ideia formada sobre o caso. Por isso ainda não posso pronunciar-me.”
GOVERNO RECUSA COMENTAR
O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, instado pelo CM a comentar uma eventual candidatura de Ramos-Horta, afirmou não haver qualquer declaração a fazer sobre o assunto. Carneiro Jacinto adiantou apenas que aquando da Assembleia-Geral da ONU, o vice-primeiro-ministro e chefe da diplomacia da Tailândia, Surakiart Sathirathai, contactou Portugal em relação à sua candidatura.