Henrique Rosa, o empresário católico de 59 anos, assistiu este domingo, como é seu hábito, à missa matinal na catedral de Bissau, a escassos metros da sua casa. E sentou-se num dos bancos de trás, como qualquer cidadão anónimo. A pedido do padre e de algumas pessoas, mudou de lugar, e foi ocupar a primeira fila, mas deixou vazia a cadeira ao lado, que nos últimos dois anos lhe tinha sido reservada, na sua qualidade de Presidente da República.
Com esta atitude, Henrique Rosa quis ser coerente com o facto de ter cessado, na véspera, a função de chefe de Estado interino, após a investidura do Presidente da República eleito, o general Nino Vieira.
A tomada de posse decorreu no sábado, na presença de dezenas de convidados estrangeiros, e foi acolhida com alívio pelos guineenses, que depois da acesa polémica à volta das eleições e da data de entrada em funções do novo Presidente, passaram a encarar a realização da cerimónia como uma questão urgente, quase de salvação nacional.
É que, além de pôr termo formal à transição política, em vigor desde o golpe de Estado de 14 de Setembro de 2003 que derrubou Kumba Ialá, o acto abre caminho ao investimento externo e apoios financeiros diversos, prometidos pela comunidade internacional, assim que fosse consumado o regresso à normalidade institucional.
A posse de Nino veio também «libertar» a capital da forte pressão militar que se fez sentir nos dias que a antecederam, e que davam a Bissau uma imagem de cidade sitiada. Em vez de colaborarem com a Polícia para se garantir a segurança da cerimónia, como tinha previsto o Governo, as Forças Armadas assenhoraram-se das operações. A atmosfera pesada assim criada na capital, e as notícias sobre trocas de tiros entre forças para-militares em Farim, no norte do país, terá sido uma das razões para a ausência de todos os 17 chefes de Estado convidados à investidura de Nino, que voltou ao poder após seis anos no exílio.
A tentativa do chefe da diplomacia portuguesa, para que Nino Vieira e o
primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior - que estão de relações cortadas desde 1999 - aprovassem uma declaração de entendimento, antes da cerimónia de posse, não surtiu efeito, mas levou os representantes de ambos a dialogar.
Esta iniciativa, em nome da CPLP, poderá reforçar o sentimento de optimismo moderado, reinante em Bissau a seguir à posse do chefe de Estado e aos discursos proferidos na ocasião.
Com efeito, em resposta à saudação do presidente do Parlamento, que apelou para o fim da «violência na vida política» guineense, Nino Vieira propôs um pacto nacional de estabilidade, e assegurou, na presença do primeiro-ministro, que vai colaborar com o Governo nos «grandes projectos que visem acertar o passo do país com o mundo».
Fernando Jorge Pereira, em Bissau
EXPRESSO AFRICA - 4 Outubro 2005