Texto que acabei de enviar aos senhores Deputados da Assembleia da República de Portugal:
Senhor Deputado
A Factura de Cahora Bassa
*por Fernando Inácio Gil
Em artigo publicado no passado dia 9 do corrente, após escrever “Somos vítimas, mas vítimas maiores serão os nossos filhos”, acrescentava:
“Não os obriguemos a pagar a factura que outros ficaram a dever, nem que tenhamos que ser nós a pagá-la.
Mas muito mais honrados se sentirão se tivermos a coragem de a fazer pagar por quem na realidade a ficou a dever.”
Será pois que, quando o Ministro Álvaro Barreto, na televisão, aludiu a uma carta de Vasco Gonçalves ao Presidente da Frelimo, tencionaria começar a endossar responsabilidades a quem efectivamente as tem?
Se assim foi, “haja Deus” que já não é sem tempo!
E, em tão boa hora o fez, que logo um semanário, além de publicar a carta perdão de Vasco Gonçalves, igualmente deu à estampa uma anterior subscrita por Samora Machel, prenhe de insultos a todos os nossos maiores.
São, na verdade, dois documentos históricos que bem atestam, a prevalecer uma maioria de esquerda no nosso país, qual seria o seu destino final.
Só que a tal maioria de esquerda não é mais que um slogan, embora a tenhamos ainda de suportar – moral e materialmente – até que novas eleições exprimam a vontade do povo português.
Dizia Vasco Gonçalves, na sua missiva de 9 de Maio de 1975, a Samora Machel que “só posso (re)afirmar-lhe(sem margem para qualquer hesitação), e como resultado de profundo empenhamento pessoal, do Governo e do povo português no processo em curso, que se pretende claro (o itálico é nosso) e gerador de novas e decisivas solidariedades”, concluindo que “Portugal considera definitivamente encerrado aquilo que se tem designado por “contencioso económico e financeiro”(de que se tem ocupado a comissão B das negociações), reforçando-se, assim, o já afirmado pelo MNE major Melo Antunes, como enviado do Governo, no recente encontro de Haia, havido com o Vice-Presidente da Frelimo.”
Não indo por agora comentar a carta de Samora Machel dirigida ao primeiro-ministro do Governo Provisório da República Portuguesa, em 18 de Abril de 1975, à qual aquela serviu de resposta, não resistimos a sua parte final:
“11.1 É nesta perspectiva ( de 500 anos de dominação colonial) e só nela, que pode ser avaliado o “contencioso económico e financeiro”, e determinada exactamente a parte exigível a Portugal e a parte que Portugal pode exigir a Moçambique em consequência dos benefícios que Moçambique recebeu de cinco séculos de pilhagem colonial e de dez anos de guerra de agressão.
11.2 No caso de o balanço ser favorável a Portugal, Moçambique engaja-se a pagar integral e imediatamente a totalidade da sua dívida.
11.3 Entretanto, a Frelimo declara a sua vontade de que se interrompam as negociações em curso e se anulem os documentos já publicados, a fim de se reiniciar oportunamente a discussão global da nova perspectiva.”
E andam tantos políticos e governantes a dizer que a democracia é a política da verdade!
Então, só quatro anos depois, e porque alguém o forçou, é que o povo português vem a saber que uma então existente Comissão Nacional de Descolonização se não opôs a que um Governo Provisório da República Portuguesa, liderado por um qualquer Vasco Gonçalves, todos sem o mínimo de representatividade, decidisse que “Portugal considera definitivamente encerrado aquilo que se tem designado por “contencioso económico e financeiro” com Moçambique.
Irra, que é demais!
E afirma Vasco Gonçalves que tudo isto se conseguiu com o empenhamento do povo português no processo que se pretende claro...
Mas já que a ponta do véu se começa a levantar, muito gostaria o povo português de saber qual o montante e, se possível, a discriminação de mais esta dádiva feita em seu nome, felizmente que com o seu “empenhamento”.
Mais, que fossem explicadas ao povo português as reais consequências daí advindas.
E, igualmente, se o Estado Português está disposto a indemnizar todos quantos foram lesados por acto, já para não falar no montante que a si mesmo, isto é, a todos nós pertence.
E, pelo que correu em tempo em certos círculos, qual o valor e o destino dos auxílios estrangeiros que expressamente cobriam tal ou outras cedências?
Ou será que tais auxílios não passaram de falsas promessas?
Por tudo isto, sr. Ministro Álvaro Barreto, não esteja tão optimista quanto a Cabora-Bassa!
Melhor talvez seja ir preparando o Povo Português para ir pagando mais estes 30 milhões de contos de responsabilidade externa portuguesa.
Repare, sr. Ministro, que Portugal aceitou no Acordo de Lusaca que a Frelimo só indemnizasse o nosso país daquilo que entendesse ser em benefício do povo de Moçambique.
Qualquer arbitragem está fora de causa, apenas o que os senhores da Frelimo decidirem.
Aliás tudo é lógico da parte de Moçambique já que Vasco Gonçalves e o Governo português de então aceitaram continuar a negociar com a Frelimo:
- É que se as negociações continuaram foi aceite integralmente a perspectiva da Frelimo que condicionava o seu prosseguimento à aceitação dos tais “cinco séculos de dominação colonial e dez anos de guerra de agressão”...
É pois mais que hora de se começar com o “julgamento dos responsáveis”.
Vamos a cartas na mesa que, quem tiver a consciência tranquila, nada terá a temer.
Bastas razões terá pois o dr. Mário Soares para afirmar que ainda é cedo para se discutir a descolonização.
Razões tinha pois o dr. Jorge Sampaio para nada dizer acerca dos resultados das negociações que ia tendo com Sérgio Vieira.
Razões têm pois todos os implicados no processo para se calarem e não deixarem ninguém falar.
Só vergonha é que não têm!
Mas sobejas razões temos nós, o povo português, de não mais sustentar quem o traiu e não soube defender os seus reais interesses – morais e materiais.
Será que, se Vasco Gonçalves fosse um verdadeiro português, se quedaria, aliás em tom subserviente, no seu magnânimo perdão?
Mousinho, Neutel, Capêlo, Gago Coutinho e tantos outros não lhe dizem nada, sr. Brigadeiro Vasco Gonçalves?
Tenhamos, pois nós, os verdadeiros portugueses, vergonha do juízo dos nossos filhos.
* Membro Directivo da Associação Projecto I
Moçambique está na posição correcta. Se eu puder comprar por 10, porque irei pagar 30 ou 40?
Cordiais saudações
Fernando da Silva Inácio Gil
Funcionário Aposentado