Construção é o sector mais beneficiado. Dívida paga até ao final de 2006
ana tomás Ribeiro
Helena Garrido
Moçambique vai passar a deter 85% do capital da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) e Portugal reduz a sua posição de 82 para 15 %, segundo o acordo ontem assinado entre os dois países. Maputo pagará 950 milhões de dólares a Portugal até final de 2006 e os empresários portugueses ficam com direito de preferência em projectos na área da energia. O acordo final será assinado até ao final deste ano.
"Cria-se um ambiente favorável ao investimento de empresas portuguesas", disse ao DN o ministro de Estado e das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos que ontem assinou o acordo em São Bento com o ministro da Energia moçambicano, Salvador Namburete.
O acordo final será assinado até ao final do ano. Nestes próximos dois meses as duas partes terão de acertar algumas questões que estão em aberto, como é o caso da transição da gestão da HCB e do estatuto dos trabalhadores portugueses que lá se encontram.
É explicitado no documento ontem assinado que os acordos subsequentes não podem ter efeitos negativos no défice orçamental português. O memorando resolve o problema da dívida da empresa a Portugal, questão que impediu a resolução desta problema desde a independência de Moçambique em 1975. Nesse quadro, o Estado de Moçambique paga a Portugal 700 milhões de dólares no prazo de um ano a contar da data da assinatura do acordo final agendado para o fim de 2005. Este calendário pode ser prorrogado por um máximo de seis meses, desde que se tenha pago pelo menos 50% daquele valor. A empresa HCB amortiza 250 milhões de dólares também em 2006.
No seu conjunto, são amortizados 950 milhões de dólares, valor abaixo dos 2,3 mil milhões de dólares que estavam inscritos nos livros como dívida de Cahora Bassa ao Estado português.
O ministro de Estado e das Finanças não considera que se esteja perante um perdão de dívida, mas sim face a uma situação de custos irrecuperáveis, associados à situação de guerra vivida por Moçambique. Em termos técnicos pode considerar-se estar perante um tipo de operação harmónio, ou seja, redução de capital com diminuição de posição accionista.
"Cria-se um ambiente positivo que vai beneficiar as empresas portuguesas", afirma o ministro das Finanças, que recentemente se deslocou a Moçambique exactamente para desbloquear um problema com 30 anos.
Construção com ganhos. O sector português da construção e engenharia será um dos mais beneficiados, a curto prazo, com este acordo. "As empresas portuguesas vão ter direito de preferência nos projectos de energia que Moçambique está a desenvolver", afirmou Fernando Teixeira dos Santos nas declarações que fez ao DN. Segundo afirmou, o sector que mais beneficiará com este acordo será o da construção já que, sublinhou, "as empresas portuguesas têm grande 'know how' na construção e barragens".
O memorando consagra explicitamente o direito de preferência "em condições de igualdade" em futuros projectos no sector da energia, particularizando a concretização da Central Norte de Cahora Bassa. Um projecto hidroeléctrico considerado fundamental para aumentar a produção da barragem, posicionando Moçambique como o grande exportador de energia da África Austral. A central funcionará ainda como um reservatório de água para o vale agrícola do Zambeze.
Segundo o comunicado ontem difundido pelo Ministério das Finanças, o entendimento "permitirá realizar importantes investimentos no sector energético, a consolidação de diversos projectos industriais e o desenvolvimento agro-industrial do vale do Zambeze".No quadro do acordo, os Estados deixam de ter responsabilidade do fornecimento da energia de Cahora Bassa, como acontecia até agora. Serão as empresas, a HCB e a Eskom a assumir essa responsabilidade.
Sócrates satisfeito. A assinatura do memorando de entendimento sobre a Hidroeléctrica de Cahora Bassa "é um acordo histórico para Portugal e Moçambique", disse ontem o primeiro-ministro José Sócrates, manifestando a sua "satisfação pessoal por ter sido agora possível concluir uma negociação que já se arrastava desde 1975". Na sua opinião, "este é um bom acordo para os dois países, reflecte uma múltipla confiança entre ambos e potencia boas relações para o futuro." Sócrates salientou que este entendimento também "honra a nossa história".
Por seu turno, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, confessou que já desde a manhã de ontem estava "convencido que isto tinha de acabar hoje. E acabou mesmo. O acordo aconteceu e demonstra o nível de bom relacionamento e de amizade existente entre os dois governos e os dois povos". E anunciou "Daqui a pouco Cahora Bassa passa a ser gerida por Moçambique".
* com Daniel Lam
DIÁRIO DE NOTÍCIAS - 03.11.2005