Esperança Machavela falava a jornalistas acerca do assassinato do director da Cadeia Central, Jorge Microsse, ocorrido há duas semanas no distrito de Boane.
Para nós, o governo não precisa de emitir sinal nenhum, o governo precisa de trabalhar normalmente, isto é, punir normalmente qualquer que seja o crime que é praticado no País, independentemente, de ele afectar ou não determinada categoria de dirigentes.
O governo precisa, sim, de emitir um sinal inequívoco de que ele está a trabalhar, bem e sempre, na investigação rigorosa de todos os crimes que se cometam no País.
O governo precisa, urgentemente, de esclarecer os assassinatos de António Siba-Siba Macuácua, Pedro Langa, Armando Ossufo, Jorge Microsse e outros cujas mortes continuam autênticos enigmas, apesar de elas terem ocorrido em circunstâncias, aparentemente, claras e de fácil investigação.
O governo não se deve comover com os assassinatos apenas quando eles acabam de ocorrer e deixar de sentir o assunto à medida em que o sangue das vítimas seca do chão onde foi inutilmente derramado.
Há promessas sérias que o governo já fez em relação à premência de certas investigações de assassinatos, nomeadamente aquando da morte trágica de António Siba-Siba Macuácua. Só que, cerca de quatro anos depois de tais promessas e sem que haja vestígios de interesse por uma investigação séria sobre tais casos, o mesmo governo comporta-se como Pilatos após a morte de Cristo.
O governo não precisa de informar ao povo moçambicano que agora está a preparar a emissão de um sinal para o crime organizado. O governo precisa de agir e agir sempre, pois trata-se de um governo com legitimidade suficiente para tal.
Portanto, o governo não carece de autorização de ninguém para emitir tal sinal, nem precisa de nos dizer que quer emitir sinal. O governo precisa é de trabalhar. Saltar das cadeiras, deixar de organizar seminários e passar a organizar trabalho. Trabalho concreto e visível a olho popular. O governo precisa de trabalhar, proteger os interesses dos cidadãos e colocar os criminosos no seu devido lugar.
Seja qual for a explicação que a ministra da Justiça der, a verdade manda dizer que em Moçambique o crime organizado continua mais poderoso do que as instituições oficiais, continua mais poderoso do que o Ministério da Justiça, mais poderoso do que o Ministério do Interior, mais poderoso do que a Presidência da República numa clara e arrepiante ostentação de um musculado poder que, através das mortes selectivas, vai comandando e condicionando as decisões políticas mais importantes deste País.
Todos sabemos que a fonte e o ambiente principais do crime organizado é a corrupção, corrupção essa, frequentemente, criticada mas nunca combatida por ninguém, apesar de serem evidentes os males que ela causa ao País e aos seus cidadãos.
O País há muito que fala e paga chorudas consultorias em torno de uma estratégia de combate contra a corrupção mas ninguém, até hoje, tem conhecimento da existência dessa estratégia. Aliás, não acreditamos que a corrupção floresça no País por falta de estratégia escrita no papel.
A corrupção, a nosso ver, floresce por falta de vontade política do governo em combatê-la, uma vez que o próprio governo teme combater-se a sí próprio, já que o mal está tão disseminado entre a cúpula deste País que, praticamente, fica inviabilizado qualquer combate sério contra o mesmo.
Nessas circunstâncias, não há estratégia nenhuma a ser aprovada pelo governo para combater um mal que, a olhos de todos, não carece de nenhuma consultoria para ser combatido. Basta que o Presidente da República anuncie à nação, de forma clara e inequívoca, que a corrupção está proibida no País e diga aos moçambicanos junto de quem deverão apresentar casos concretos, quentes e diários de corrupção.
Só que após a denúncia popular, os cidadãos ficarão à espera de ver a acção combativa contra o mal denunciado. É aqui onde entra a questão da seriedade e da vontade política no combate contra a corrupção. É aqui onde entra a ministra da Justiça com promessas de emissão de sinais para o crime organizado.
Emitir um sinal e combater não são sinónimos. Por isso, as declarações da ministra da Justiça são um claro indicativo de que o combate contra a corrupção, fonte principal da alimentação do crime organizado, é um assunto adiado neste País.
Quer dizer, não é desta vez que veremos uma mudança na questão da impunidade de que goza a corrupção e o crime organizado em Moçambique.
Por outro lado, como punir criminosos num país em que o sistema judicial deixa pessoas suspeitas de crimes graves cumprir toda a pena potencial em prisão preventiva? Como punir criminosos num país em que o sistema prisional é tão frágil e vulnerável que muitos dos crimes acabam sendo executados por criminosos vivendo em centros de reclusão?
Como punir criminosos num país em que alguns criminosos financiam a vida de figuras com responsabilidades no combate contra o crime?
Como punir criminosos num país em que alguns dos criminosos já condenados levam uma vida mais folgada do que a vida da maioria dos trabalhadores honestos deste País?
Nós sentimos que a impunidade ao crime continua bem garantida em Moçambique, através de uma labiríntica teia de cumplicidades, apesar de periódicos desabafos de pessoas como a ministra da Justiça, que advogam a necessidade de emissão de, pelo menos, alguns sinais para que os criminosos vejam que o crime não compensa, uma missão quase impossível se esse sentimento não for, como parece ser o caso, de todo o sistema.
Aliás, a ministra da Justiça já foi embaixadora de Moçambique num belo país, cujo slogan diz: “El crímen se combate con hechos y no con las palabras. Entonces, hace falta hechos, y no las palabras, para combatir el crímen!”
Sem isso, está-se a divertir, com discursos polidos, um povo carente de justiça material, o que pode ser perigoso a médio e longo prazos.
Salomão Moyana
ZAMBEZE - 03.11.2005