João Carlos Colaço, licenciado em Sociologia, assessor do presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, deputado à Assembleia da República de Moçambique e também professor universitário, diz que, afinal, quer o seu País quer Angola caminham para a consolidação da democracia, mas a passos pequeninos. | |
Elogia o a FRELIMO pelo esforço para elevar o sector da Educação e da Comunicação à categoria que se encontra hoje, mas afirma que a democracia em Moçambique ainda é apenas um adjectivo, que a administração pública está partidarizada e que a polícia só prende os descamisados. Há muitas semelhanças com Angola. Por Jorge Eurico Notícias Lusófonas – Como são as relações entre a UNITA e a RENAMO? João Carlos Colaço – É uma relação bastante amistosa e começou a ficar cada vez mais consolidada a partir de 1994/95. Essa relação tem-se fortificado cada vez mais desde o “Diálogo de Windhoek”, que teve lugar em 1985 na Namíbia. E ela esteve na origem de uma série de eventos de partidos políticos africanos. Encontros como este têm como finalidade encontrar uma plataforma comum de diálogo entre os partidos do Centro-Direita, de modo que possam encontrar mecanismos mais eficazes para darem uma maior contribuição ao processo de democratização e de desenvolvimento dos seus países. NL – Quais são as causas comuns entre a UNITA e a RENAMO? JCC – As linhas ideológicas, os princípios democráticos e pelo facto de serem partidos do Centro-Direita. O facto de estarem na Oposição acaba por ser uma possibilidade de diálogo e não só. A UNITA e a RENAMO estão em países com contextos políticos bastante similares. E este contexto político interessa a ambos. Apesar de, actualmente, estar em “democracia”. Trata-se de uma democracia em que um dos pressupostos para se chegar a ela foi a via armada. Esta democracia funda-se basicamente sobre um contexto político e ideológico de um modelo de Estado e de governação inspirados no modelo soviético, que foi negado pelos povos de Angola e de Moçambique. Por isso é que a UNITA e a RENAMO querem ir em busca de uma plataforma comum de governação, que é o modelo democrático que hoje me parece ser a tendência global no actual contexto africano. NL – Quais são as razões da luta política da UNITA em Angola e da RENAMO em Moçambique? JCC – É a arrogância e a renitência dos partidos no poder. A guerra civil, quer em Angola quer em Moçambique, deu-se por causa da implantação de regimes autoritários e anti-democráticos. Penso que é exactamente isso que mais une e aproxima a RENAMO à UNITA, sobretudo as qualidades de uma governação baseada em valores democráticos. NL – A RENAMO tem alguma relação com o partido no poder em Angola? JCC – Que eu saiba não! O que lhe posso dizer é que a FRELIMO é muito amiga do MPLA. Se a FRELIMO não se entende muito bem do ponto de vista político com a RENAMO, também é normal que o MPLA não tenha relações com a RENAMO. NL – Em que estágio está a democracia em Moçambique e que informações tem sobre a mesma em Angola? JCC – Moçambique está no seu 13.º ano como País democrático. A democracia em Angola é recente. E, tal como em Moçambique, ela (a democracia) começa com o fim da Guerra Civil. Angola e Moçambique têm enormes desafios porque quer a FRELIMO como o MPLA têm percursos políticos bastantes similares, que é um passado histórico autoritário de matriz soviética. Razão pela qual tanto em Moçambique como em Angola, apesar de estarmos a viver um período democrático, o grande desafio consiste no medo dos regimes no poder de perderem o poder. Por outro lado há ainda o facto de os cidadãos, tanto moçambicanos como angolanos, não poderem expressar-se livremente por estarem sujeitos a represálias por parte dos regimes no poder. «Ainda assistimos cidadãos a serem presos e maltratados pela polícia por causa das suas opções políticas» NL – Que tipo de represálias? JCC – Represálias de natureza política. Uma coisa é o que está estabelecido formalmente nas constituições de cada País, o outro grande desafio está justamente na mudança de mentalidade e nos métodos de governação que se baseiam ainda em estilos profundamente autoritários e pouco tolerantes porque vivemos em países em que a cultura política é de alguma forma marcada por um estilo que dá pouco espaço às diferenças políticas. Ainda assistimos a cidadãos a serem presos, maltratados pela polícia por causa das suas opções políticas. E tem sido em função disso que tem havido exclusão de toda a ordem sobretudo económica, social e política. NL – Está a referir-se a Moçambique apenas ou também a Angola? JCC – No dia 29 de Outubro, quando cheguei a Angola, comprei o Folha 8 e li uma reportagem bastante interessante sobre a detenção do presidente interino da bancada parlamentar da UNITA, Daniel José Domingos “Maluca”, que teria sido interditado pela polícia no aeroporto de Benguela! De acordo com a informação revelada pelo jornal ainda há nos computadores da polícia de imigração a interdição de uma série de elementos da UNITA em território angolano. Isso é comum também no contexto moçambicano por que sempre que acontecem pleitos eleitorais assistimos a membros da RENAMO a serem perseguidos, presos e até mortos pela polícia muitas vezes a mando do regime no poder. NL – Por que é que isso acontece? JCC – Isto acontece pelo medo que o regime tem de perder o poder. O caso de Moçambique é bastante sintomático por que vários processos eleitorais têm sido caracterizados por várias acusações por parte da RENAMO por ter havido fraudes. A fraude eleitoral tem sido uma constante no contexto moçambicano. Normalmente isso acontece quando há um hiato muito grande entre aquilo que é a visão do partido no poder e aquilo que são os anseios da grande maioria do povo moçambicano. Penso que apesar de estarmos a viver tempos de democracia, temos problemas sérios como os da pobreza e da exclusão. Temos grandes contingentes da população que não tem acesso a bens elementares de sobrevivência como a habitação, a água, o trabalho, a alimentação, a saúde, etc. O Governo não tem tido a capacidade de criar condições mínimas. E quando isso acontece normalmente os cidadãos perdem confiança no Governo. O outro ponto é justamente a ganância pelo poder de forma não democrática e muitas vezes a solução para a permanência no poder por parte do regime é enveredar pela violência. No início deste ano tivemos eleições intercalares numa província ao Norte de Moçambique, chamada Cabo Delgado. A eleição teve lugar num município onde o presidente morreu antes do término do seu mandato. Trata-se de um município claramente de influência da RENAMO e que por fraudes que foram tão flagrantes mesmo assim a FRELIMO acabou por se impor no poder com o seu candidato. O povo insatisfeito pediu à RENAMO que indicasse o presidente local que, na sua percepção, era o legítimo vencedor do escrutínio. No fim desta cerimónia, membros da RENAMO foram agredidos por militantes da FRELIMO. E isso culminou com várias pessoas feridas e mortas. Portanto, isto reflecte o estilo autoritário e pouco democrático que ainda assistimos em Moçambique. Portanto, a democracia em Moçambique ainda não está consolidada e penso ser importante que se trabalhe de forma árdua para que casos desta natureza não aconteçam mais. A democracia em Moçambique é apenas um adjectivo, é para inglês ver. «A Administração Pública moçambicana está totalmente partidarizada» NL – Como caracteriza o grau de intolerância política em Moçambique? JCC – A intolerância política ainda existe em Moçambique. Mas há sectores que, em relação a Angola, registaram progressos extraordinários, sobretudo os média. Em relação a Angola penso que em Moçambique há mais Liberdade de Expressão. Sem dúvidas! O caso de Moçambique, em relação aos média, tem sido reportado como exemplo raro na África Austral, não obstante a certas práticas obscuras que deixam muito a desejar e que se revelam profundamente perigosas para a própria democracia. NL – Práticas obscuras como quais, por exemplo? JCC – A actuação da polícia, dos órgãos de Comunicação Social públicos, que são profundamente parciais e totalmente partidarizados. Isto é extensivo à Administração Pública que está totalmente partidarizada. Isto acaba por ser um grande empecilho para a modernização e para a democratização não só das instituições mas como do próprio País. Há o sector que acabei de apontar que são os media, mas há muitos outros sectores da Sociedade Civil, que não conseguem experimentar o mesmo crescimento democrático à semelhança do que aconteceu ao nível dos órgãos de Comunicação Social. Agora é importante dizer que a Liberdade de Expressão e a tolerância são mais sentidos nos centros urbanos. Quanto mais distantes estivermos dos centros urbanos, as práticas de democracia e de tolerância são cada vez mais raras. Porque nas zonas rurais não temos a Comunidade Internacional para observar os casos de violação de Liberdade de Expressão ou de Direitos Humanos. Nos casos de Maputo e outras cidades, isso não se sente por que os órgãos de Comunicação Social, não só privados, mas também estatais, estão sempre em cima deste tipo de acontecimentos. NL – De forma prospectiva, como é que a RENAMO pensa? JCC – A RENAMO pensa ser necessário que haja um Moçambique verdadeiramente livre e democrático com um sistema social e económico mais redistributivo sem exclusão. Em Moçambique há uma enorme exclusão política sobretudo para os membros da Oposição, no caso concreto os da RENAMO. Também durante muito tempo o País ficou dividido politicamente entre a RENAMO e a FRELIMO. E o País que a RENAMO quer é um Moçambique capaz de ter a democracia e a liberdade como os grandes pilares de desenvolvimento. NL – O que é que a RENAMO tem feito para que isso possa ser de facto uma realidade? JCC – A RENAMO tem assentos no Parlamento. E é lá onde fazemos passar as nossas ideias. A RENAMO como partido instituiu um Gabinete de Assessoria ao presidente do partido. Trata-se de uma espécie de Governo-sombra com sectores similares aos do Governo para poder-se monitorar a governação da FRELIMO e paralelamente irmos apresentando as nossas propostas sobre o que poderia fazer caso estivesse no poder. Isto já está a funcionar. Paralelamente a isso, a RENAMO tem tido um conjunto de trabalho de militância partidária no sentido de discutir os problemas do País. Fazemos questão de participarmos em programas de rádio e de televisão onde podemos fazer passar as nossas ideias. NL – O que é que se discute neste momento em Moçambique? JCC – Neste momento está-se a discutir a questão dos símbolos nacionais. Travaram-se discussões abertas. Após a Guerra Civil foi celebrado um acordo. E um dos dispositivos deste acordo era a mudança dos símbolos nacionais, que na verdade reflectiam mais interesses da FRELIMO do que a identidade moçambicana no seu todo. Este processo começou-se a reflectir com a mudança do Hino Nacional. Hoje temos um Hino Novo. Depois combinou-se que se daria prosseguimento à mudança de outros símbolos como a mudança da bandeira da República. Isto foi um programa aprovado pela Assembleia da República, mas no início deste ano alguns membros do partido no poder vieram publicamente defender que não era necessariamente preciso mudar os símbolos porque tinham uma importância histórica e que por isso o País devia manter a mesma bandeira. A RENAMO denunciou publicamente, por via da Imprensa, dizendo que se tratava de uma violação à Constituição da República e que o que se deveria fazer era dar prosseguimento aquilo que tinha sido aprovado pela Assembleia da República. E isso forçou que se abrissem concursos públicos para a aprovação de uma nova bandeira da República. NL – A FRELIMO e a RENAMO, enquanto pessoas colectivas, também têm colocado os seus problemas acima dos do Estado moçambicano? JCC – Angola e Moçambique são sociedades construídas sobre a matriz de muito personalismo. Somos sociedades caracterizadas por relações clientelistas, pelo nepotismo e pelo patrimonialismo. Quando falámos dessas relações estamos a falar de pessoas muito concretas. O cidadão só tem acesso a certas instituições ou bens se tiver referências muito concretas de certas pessoas. Durante muitos anos, os moçambicanos sentiram e ainda sentem o problema da corrupção. O Governo sempre veio com o argumento de que não havia corrupção e que deveríamos apontar os corruptos. Quando o Governo pede para apontar os corruptos transfere o nível do problema. Portanto, sai do nível do sistema do problema em si e vai para o nível pessoal. E quando a RENAMO diz na Assembleia da República que “fulano de tal tem este ou aquele problema”, o regime se rebela como reflexo das suas próprias contradições. NL – Admite que a corrupção e a SIDA são os cancros existentes hoje em Moçambique? JCC – Admito que a SIDA é o principal desafio de Moçambique e da África inteira. Somos perto de 19 milhões de moçambicanos e muitos milhares estão infectados pelo vírus do HIV-SIDA. E a perspectiva é deste número crescer o que coloca um grande desafio do ponto de vista de desenvolvimento por que a maior parte de pessoas infectadas pelos vírus do HIV-SIDA fazem parte do grupo da população economicamente activa. E como consequência disso temos muitos órfãos, cujos pais morreram de SIDA. A corrupção é também um problema por afectar todo o processo de governação. E quando temos o processo de governação afectado isso significa que as possibilidades de podermos atingir o desenvolvimento são muito escassas. Isto é um problema sério de Moçambique. Moçambique faz parte dos países mais corruptos do mundo em função do último relatório produzido em Londres pela Transparecy International. NL – Moçambique, tal como acontece em Angola, também tem os seus órgãos de Justiça a actuarem de forma inigualitária e estão partidarizados? JCC – O Estado moçambicano ainda está partidarizado. Quando temos um Estado partidarizado, uma sociedade que se orienta na base do clientelismo e do patrimonialismo e do nepotismo, estamos perante uma sociedade desigual em que a Lei não é aplicada da mesma forma para todos os cidadãos. Ou seja, a Lei aplica-se apenas para uns e não para outros. E quando isso acontece estamos perante uma sociedade realmente injusta. NL – A polícia moçambicana também age olhando para a camisola político-partidária dos cidadãos? JCC – Em muitos casos a polícia age em função da cor partidária. A polícia age em função do status das pessoas. Razão pela qual se fala muito da corrupção em Moçambique, mas nunca se viu nenhum corrupto. Boa parte da população prisional moçambicana é aquela que não tem direito a advogados, não tem acesso à Justiça. Quer dizer, a polícia ao invés de apresentar publicamente pessoas que comprometem o processo de combate à pobreza, acabam por prender peixe-miúdo. A impunidade continua a fazer parte do dia-a-dia de Moçambique por que as instituições têm problemas de actuar com uma certa independência e imparcialidade. NL – Que balanço faz da gestão de Moçambique durante 30 anos pela FRELIMO? JCC – Penso que no domínio da Educação a FRELIMO conseguiu resultados extraordinários. Acho que foi o sector que mais cresceu com resultados plausíveis. Os restantes sectores continuam a não funcionar e penso que continuarão a ter problemas seriíssimos de funcionamento. Ok! O que é que representam os 30 anos de independência para além do progresso que se assistiu no sector da educação? Moçambique teve sérios problemas políticos e ideológicos que dois anos depois da independência mergulharam o País num novo conflito armado. O modelo político-estatal e de governação acabou por dividir os moçambicanos. Tivemos seriíssimos problemas de repressão durante 30 anos. O País mergulhou numa das guerras mais sangrentas do mundo. Os 30 anos de guerra colocaram cerca de setenta por cento da população moçambicana em situação de pobreza absoluta em que oitenta por cento destes setenta está no campo. Portanto, foram 30 anos de um País que ao invés de crescer acabou por decrescer. |
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 10.11.2005