Charles Baptista As primeiras eleições multipartidárias de 1994, que deram vitórias ao partido Frelimo e seu candidato, Joaquim Chissano, não resultaram da expresão dos eleitores, contudo, dos interesses estranhos a Moçambique. A vontade do povo ficou patente, pois, em onze circulos eleitorais, a RENAMO ganhou seis e a Frelimo, as restantes cinco, o que deixou os camaradas apavorados. Este facto demonstra, de uma forma clara, que as eleições foram ganhas pela RENAMO e seu candidato, Afonso Dhlakama. A Frelimo e Chissano perderam-nas, contrariamente, ao anunciado ao público. As Nações Unidas, ONU, vinham de uma derrota diplomática de Angola, onde as eleições foram um julgamento popular que forçou a UNITA a regressar para as matas, mergulhando o país numa terrível guerra civil. Em Angola, a ONU estava desprovida de forças para interposição ou de intervenção. Tanto o governo de Luanda quanto a UNITA dispunham intactos, até às eleições, dos seus artefactos bélicos. Esta experiência inglória interessava, sobremaneira, à ONU que não se repetisse em Moçambique. Acertada a estratégia entre a Frelimo e a ONU, munida de um contingente militar capaz de fazer intervenção, quando necessário, iniciou-se a desmobilização dos exércitos, a desactivação, como em nenhuma outra na história das pacificações, dos meios letais. Assistiu-se ao desmantelamento de tanques, carros de assalto, mísseis, bombardeiros, aviões de transporte, à massiva recolha de armas dos esconderijos para desencorajar qualquer tentativa de recomeçar a guerra por parte da RENAMO. O governo ficou sereno por saber que a vitória estava garantida enquanto a RENAMO deixou-se ficar na sua ingenuidade enquanto era enganada pelos seus “irmãos”. O representante do secretário-geral da ONU, Aldo Ajello, abandonou o País 24 h depois das eleições, lavando as mãos, tal como o fez pôncio Pilatos. Se a RENAMO tivesse ascendido ao poder, a Frelimo teria criado desordem generalizada, com a violência em espiral tanto no campo como nos centros urbanos. O País teria sido ingovernável. Tal situação forçaria a RENAMO a regressar às matas. O descrédito e a incompetência teriam invadido as missões de pacificações da ONU. Para permitir uma transição “pacífica e ordeira”, a ONU e as potências ocidentais desenharam a estratégia de relegar a RENAMO para a condição de derrotada artificial, proclamando a Frelimo e seu candidato vencedores da conveniência. Esta versão fala-se nos corredores das chancelarias em Maputo. O período 1994-1999, é caracterizado pelas privatizações das empresas do Estado ou sob gestão. Como novos patrões aparecem indivíduos ligados à Frelimo ou a ela associados. Este foi um momento singular que proporcionou às elites políticas da Frelimo detivessem o poder económico. Doravante, os quadros séniores da Frelimo para além do poder político, passaram a ter também a componente económica, tornando, assim, mais difícil a sua remoção da Frelimo do poder. CORREIO DA MANHÃ (MAPUTO) – 04.11.2005