Embora este texto tenha sido publicado anteriormente à visita de Armando Guebuza e da assinatura do Memorando sobre a Reversão de Cahora Bassa para Moçambique, vale pelos dados contidos, muito superiores aos anunciados por Portugal. Engano de jornalista?
O futuro da barragem hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) voltará a estar no centro da mesa das conversações, quando o Presidente Armando Guebuza, na sua primeira visita oficial a Portugal, reunir-se, na próxima semana, com o seu homólogo Jorge Sampaio.
Sem dúvida que Cahora Bassa tem sido o elemento mais crítico no relacionamento entre os dois países nos últimos anos.
Por força dos Acordos de Lusaka, que abriram caminho para a independência de Moçambique, a HCB permaneceu propriedade de Portugal, em território moçambicano.
A ideia era que o empreendimento passaria para o controlo de Moçambique passados 25 anos, depois que Portugal tivesse liquidado toda a dívida de mais de 1 bilião de dólares contraída junto de várias instituições credoras da Europa. A liquidação desta dívida contaria com as receitas provenientes da venda de energia à África do Sul.
Nem Portugal nem Moçambique poderiam prever o que viria a acontecer depois da independência deste último país. A guerra que deflagrou em Moçambique, apenas um ano após a independência, teve como alvo privilegiado os postes de transmissão da energia da HCB para a África do Sul.
Quando a guerra terminou em 1992, 1 895 postes tinham sido totalmente destruídos, e 2 311 precisavam de reabilitação ao longo dos 893 quilómetros que as linhas percorrem em território moçambicano.
Sem o fornecimento de energia à África do Sul, os rendimentos que se esperava da HCB não se materializaram. Por outro lado, como o acordo inicial previa que parte da energia transformada na África do Sul seria revendida a Moçambique a preço baixo, este país acabou comprando-a a preços comerciais.
Os juros acumulados sobre a dívida contraída por Portugal para a construção da HCB, bem como os custos de manutenção do empreendimento durante o período de paralisação e na reposição das torres, representam neste momento cerca de 2,6 biliões de dólares.
Actualmente, Portugal detém 82 porcento das acções da HCB, ficando para Moçambique os restantes 18 porcento.
Para a inversão desta estrutura accionista, Portugal exige que Moçambique lhe pague os 2,6 biliões de dólares. Moçambique oferece muito menos.
Se Moçambique tivesse que pagar o valor solicitado por Portugal, teria que contrair uma dívida pagável, somente em pelo menos trinta anos. Isto, numa altura em que o país pede aos credores o perdão da sua dívida.
Repetidas rondas negociais sempre criaram expectativas de se estar perto de uma solução mutuamente favorável, mas tudo não passava de uma ilusão.
O arrastamento do impasse torna difícil que Moçambique materialize alguns dos seus projectos de desenvolvimento de longo prazo, tais como a construção da projectada barragem de Mpanda Ncua, igualmente no rio Zambeze, o empreendimento das areias pesadas de Chibuto, e a exploração de todo o potencial do vale do Zambeze.
Sem o poder soberano sobre a HCB, a utilização de mais energia da HCB para Moçambique requer complexas negociações tripartidas com Portugal e a África do Sul, uma vez que este último país terá que ceder a quota que lhe é atribuída ao abrigo do acordo assinado com Portugal, e que permitiu a viabilidade da construção da barragem.
Não se vislumbra no horizonte qualquer solução que venha a sair das conversações da próxima semana em Lisboa, apesar do optimismo expresso pelos dois presidentes no seu encontro de Setembro, em Nova Iorque.
Contudo, será de esperar que findos os três dias de troca de cordialidades protocolares, Guebuza e Sampaio tenham dado um passo decisivo, mais próximo de uma solução definitiva.
Tudo dependerá da capacidade negocial de ambas as partes. Mas, sobretudo, da vontade, determinação e coragem políticas dos líderes portugueses de verem encerrado um longo e tortuoso dossier colonial.
SAVANA - 28.10.2005