por Azarias Mabunda
Está difícil, da parte da Frelimo, obter uma posição clara sobre as causas do desastre de Mbuzini. Julgava-se que com a publicação do livro, A Morte de Samora Machel, em que o autor apresenta todos os dados relacionados com o desastre, as autoridades deste país viessem a público rebater ponto por ponto. Em vez disso, fecharam-se em copas. Quem cala, consente, ou talvez não, se se tomar em linha de conta a posição sempre polémica de um Sérgio Vieira. Contudente como sempre, reduziu a obra, A Morte de Samora Machel, a uma peça de ficção e a uma invenção da História, pese embora o facto de a não ter lido e de nem ter a certeza da sua existência. Pelo menos é o que se depreende quando afirma, às claras, não estar certo da existência do livro em questão. Transcrevo da lavra do próprio: “Parece que saiu um novo opúsculo em Maputo”, para logo a seguir alegar que a obra em referência contem a versão do apartheid e que se funda em especulações e camuflagens. Também meteu no mesmo saco a PIDE e a Rodésia. O que há de “invenção da História” no livro, A Morte de Samora Machel? O que tem a ver a PIDE com o acidente de aviação que vitimou o Presidente Samora Machel? Se a Rodésia de Smith passou à história muito anos antes de Mbuzini, qual a relação entre uma coisa e outra? Sou piloto profissional. Li o livro de João Cabrita, compreendi os pareceres de todas as partes tal como contidas em vários capítulos. Acompanhei o debate sobre Mbuzini organizado pela STV e tirei minhas conclusões objectivas. Ficou claro que a história do envolvimento dos sul-africanos e do VOR falso tem sido mal contada. Foram não apenas sul-africanos, mas também moçambicanos e soviéticos que recolheram os factos sobre o desastre. São dados que revelam, de forma insofismável, que o avião presidencial estava a ser pilotado uma tripulação desleixada e descuidada. Uma tripulação que se abandalhou e baldou. Os tripulantes do Tupolev não efectuaram um plano de voo como mandam as leis da aviação em vigor no nosso país. Eles não abasteceram o avião convenientemente, não cumpriram com as regras basilares de descida e aproximação a uma pista, desrespeitaram as instruções dadas pelo AFIS de Maputo, ignoraram o sinal de alarme dado pelo GPWS do próprio avião e continuram a descer, às escuras, sem saber exactamente onde estavam. E por isso colidiram, causando a morte do Presidente Samora Machel e de muitos que o acompanhavam. Pode-se varrer todos estes factos para debaixo da carpete para de seguida se lançarem as culpas sobre terceiros? Todos esses factos foram extraídos das caixas negras do Tupolev. Pelos três países. Longe da África do Sul. Num país neutro (Suíça) e na própria União Soviética. Excluída está a hipótese dos sul-africanos terem viciado o conteúdo das caixa negras. Sérgio Vieira afirma que há outros dados, outros relatórios, e pede ao estado moçambicano para que sejam “republicados”. Republicar significa publicar de novo. Em que data é que foram publicados pela primeira vez? Nunca os li antes. Apenas tomei conhecimento dos dados do acidente de Mbuzini e dos pareceres de Moçambique e da ex-União Soviética aravés do livro de João Cabrita. O que têm de diferente esses dados quando comparados com os dados recolhidos pelas três partes? Só Sérgio Vieira pode explicar. E porquê só falar agora desses novos dados e de novos relatórios? Quem está, afinal, a proceder a uma “invenção da História”? Vi, no debate da STV, o autor de A Morte de Samora Machel, a afirmar, sem rodeios, que a embaixada soviética em Maputo havia exercido pressões sobre o Comandante Sá Marques, piloto do voo TM 103 da LAM, que voava em direcção ao aeroporto do Maputo quando se deu o desastre do Tupolev presidencial, para que ele fosse mentir à comissão de inquérito, dizendo que o seu Boeing 737 também havia sido desviado da rota por acção do dito VOR falso. Se os russos tinham tanta certeza de que houve um VOR falso porque necessitaram de recorrer à mentira para provar a sua existência? O autor de A Morte de Samora Machel foi posteriormente citado como tendo dito que as pressões da embaixada da União Soviética sobre o Comandante Sá Marques haviam sido exercidas por intermédio do Ministério de Segurança moçambicano, e que pelo facto dele, Sá Marques, se ter recusado terminantemente a mentir à comissão de inquérito teve de abandonar Moçambique. Sérgio Vieira era quem tutelava o Ministério da Segurança na altura. Terá sido ele o intermediário? Seja como for, ele era o ministro e como tal deve ser solidário para com os actos praticados pelos seus subordinados. Mentir a uma comissão de inquérito é tão grave como mentir a um tribunal. Constitui obstrução à justiça. Segundo o Código de Direito Penal trata-se de um crime de perjúrio. É punível com prisão maior. Como jurista que é, o antigo ministro da segurança moçambicano certamente que não desconhece tais preceitos legais. Pode não ter praticado tais actos, pode não ter tido conhecimento prévio das demarches da embaixada soviética, e pode não ter consentido que alguém sob sua jurisdição os praticasse. Mas em última instância deve responder pelas acções praticadas ao nível do seu ministério. Em abono da verdade e da transparência. É assim que funcionam as democracias. Os cidadãos deste país, sem excepção, têm de prestar contas. Nínguem pode estar acima da lei. A Procuradoria Geral da República deve arrolar João Cabrita, o Comandante Sá Marques, Sérgio Vieira, a embaixada russa e demais testemunhas para que esclareçam exactamente o que se passou com essa questão da tentativa de prestação de falsas declarações a uma comissão de inquérito que investigava a morte de um chefe de estado moçambicano. Em última análise, deve-se apurar quem pretendeu fabricar provas e criar obstáculos ao curso normal da justiça, e com que objectivo. Teria sido apenas para ilibar o país que forneceu a tripulação ao estado moçambicano, como diz o autor de A Morte de Samor Machel? Parece haver algo ainda mais sinistro no meio de tudo isto. Não à invenção da História, sim. Mas também não a obstruções à justiça. A democracia não se compadece com a mentira. ZAMBEZE - Maputo, 15 de Dezembro de 2005 pág. 6