Esteve o governo reunido semana passada com as mais diversas sensibilidades sócio-políticas nacionais para colher subsídios com vista à elaboração de uma estratégia anti-corrupção, isto é, uma estratégia governamental para lidar e combater a corrupção.
Muito ocupados durante a mesma semana com outros afazeres profissionais, não pudemos, lamentavelmente, participar fisicamente do encontro, apesar do convite a nós endereçado pelo Ministério da Administração Estatal, que muito agradecemos.
De facto, precisamos todos nós como País de amadurecer as nossas reflexões e sensibilidades sobre a corrupção, os seus contornos e, malefícios e as melhores formas do seu combate.
Nos últimos cinco anos, tivemos a sorte de estar presentes em vários “fora” nacionais e internacionais sobre a matéria, isto desde a cimeira mundial de Haia sobre o combate à corrupção e salvaguarda da integridade (2001), workshop regional de, Victória Falls, sobre o combate à corrupção e promoção dos direitos humanos (2002), a estratégia regional de combate à corrupção nos países da SADC (Institute for Security Studies, ISS, Johanesburgo, 2003), até ao nacionalmente organizado Fórum sobre Transparência e Corrupção realizado em Maputo, em Outubro de 2002, entre outros eventos do género.
Em todos os eventos acima mencionados, ficou clara a cada vez maior preocupação dos governos democráticos do mundo em pôr em prática sistemas de controlo e promoção de integridade nacional dos seus países, combatendo a corrupção, o crime organizado e os seus derivados quotidianos.
Em todos os “fora”, foi sublinhado o papel da legislação mas, acima de tudo, foi enaltecido o papel daquilo que, na terminologia internacional, se designa por “Law Enforcement Agencies”, ou seja, agências de aplicação da lei contra a corrupção e o crime organizado.
Nesse capítulo, é muito interessante observar a seriedade com que é tomado o “Law enforcement” em países como Botswana, Lesotho e, mais recentemente, a Zâmbia, países nossos parceiros da SADC.
Nesses países, há centenas de corruptos na cadeia a cumprir penas em virtude de terem sido suspeitos, investigados, acusados, julgados e condenados por práticas corruptas. Há outros, nos mesmos países, que foram forçados pela lei a pagar pesadas indemnizações e/ou a devolver o dinheiro roubado ao Estado. Outros ainda, viram seus bens, ilicitamente conseguidos, confiscados pelo Estado e devolvidos ao uso comum da sociedade.
Quer dizer, depois de participarmos em vários desses encontros, nesses países, convencemo-nos de uma coisa: em Moçambique ainda não começou o combate contra a corrupção. O que começou há muito tempo em Moçambique é uma crítica generalizada contra a corrupção e os corruptos, sem que haja coragem ( e não estratégia) de punir os corruptos.
Nos países onde o combate contra a corrupção é muito sério, uma das principais instituições de “Law Enforcement”, por excelência, é a Procuradoria Geral da República, autoridade bastante para, ao abrigo da Lei, investigar, processar e acusar os indiciados de práticas corruptas, sem mesmo precisar de alguma estratégia governamental para o efeito.
Por outras palavras, não nos parece ser a ausência de um documento denominado “Estratégia Nacional Anti-corrupção” a razão de fundo para que a corrupção não esteja a ser combatida em Moçambique.
Parece-nos que a corrupção não está a ser combatida porque ainda não foi, realmente, definida pela superstrutura jurídico-política do País como um mal a combater, com efeitos imediatos. Ou seja, a elite governativa do País ainda não alcançou consenso sobre o que é, realmente, corrupção e o que é “processo normal de acumulação de riqueza”.
Assim, na ausência de tal consenso sobre os malefícios da corrupção, os membros da elite que caem nas malhas da investigação de uma distraída brigada anti-corrupção, têm mecanismos quase que institucionais de mandar parar tal investigação, visto ser ela ( a investigação) estranha ao ser feita apenas para alguns, quando exemplos estão aos magotes de outros membros da elite que “delapidaram, impunemente, o património público”.
Aqui mesmo no jornal, recebemos esta semana uma “delegação” de antigos combatentes da Luta de Libertação Nacional que nos vinha documentar sobre um caso que eles dizem ser do domínio de todos os dirigentes do Estado, incluindo o Presidente da República, de quem esperam, há quase 10 meses, que se pronuncie. Trata-se do dirigente do Estado que abocanhou, para seu uso privado, um enorme edifício público que outrora servia de Secretaria de Estado de Antigos Combatentes.
Eles interrogam-se como é possível alguém abocanhar património público e as instituições de garantia de legalidade não dizerem nada. “E ainda fazemos seminários para encontrar estratégias de combate à corrupção!”, dizia um colega nosso, a quem contámos da mágoa dos antigos combatentes.
Portanto, quanto a nós, a melhor estratégia de combate contra a corrupção é o Presidente da República dar luz verde à PGR para iniciar o combate contra a corrupção, isto é, para investigar e levar aos tribunais todos os casos comprovadamente denunciados de corrupção. Se necessário, reestruturar a PGR, nomeando pessoas mais corajosas e menos dadas a “papo furado” no qual já ninguém consegue acreditar.
Quanto ao Ministério da Administração Estatal, em coordenação com o da Educação e Cultura, caberia desenhar um plano nacional de educação anti-corrupção a ser difundido nas escolas, na via pública, nos hospitais, nos tribunais, na Polícia, nas Alfândegas, na Migração, nos órgãos de comunicação social, nas repartições públicas, enfim, em todo o lado onde se concentram pessoas susceptíveis de serem vítimas de esquemas de corrupção. Tal plano indicaria a quem o público lesado deve canalizar as suas denúncias e qual é o grau de confidencialidade e sigilo que o Estado garante aos denunciantes.
Repetindo, para nós a melhor estratégia anti-corrupção é o Estado, na pessoa do Presidente da República, comunicar à Nação que doravante todas as formas de corrupção estão proibidas e serão punidas pelas entidades competentes.
“Como é preciso o Chefe de Estado dizer isso se a lei já prevê o que é crime e as formas de punição?”, perguntarão os racionais.
Em nossa modesta opinião, é preciso que isso seja tratado dessa forma, pois se diz, à boca cheia, que fulano e sicrano, envolvidos em esquemas de corrupção, não são punidos porque possuem “costas quentes” do sistema.
Então, compete ao PR demarcar-se dos que andam a aquecer as costas dos corruptos, que é para o povo avaliar, correctamente, “quem é o sistema” sem estar lá dentro o Presidente da República! Isso aumentaria a agressividade popular contra os corruptos e exigiria, da parte do Estado, maior eficiência em dar resposta ao trabalho que o povo faria na denúncia e perseguição da corrupção.
É que o povo, esse, já possui, há séculos, muita estratégia anti-corrupção! Precisa é de saber que a cúpula governativa do País não se identifica com esse mal, para o combater feroz e efectivamente.
O povo precisa de ter a certeza que ao denunciar um corrupto ao seu chefe não se está a meter na boca do lobo que mandou o corrupto à caça! Resolvido esse problema, o resto corre por si, mesmo sem nenhuma onerosa estratégia anti-corrupção desenhada por incansáveis consultores nacionais e estrangeiros.
Salomão Moyana
ZAMBEZE – 15.12.2005
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