Campos Oliveira*
- Eu nasci em Moçambique
de pais humildes provim,
a côr negra que eles tinham
é a côr que tenho em mim:
sou pescador desde a infância,
e no mar sempre vaguei;
a pesca me dá sustento,
nunca outro mister busquei.
Antes que o sol se levante
eis que junto à praia estou;
se ao repoizo marco as horas
à preguiça não as dou;
em frágil casquinha leve,
sempre longe do meu lar,
ando entregue ao vento e às ondas
sem a morte receiar.
Ter continuo a vida em risco
é triste coisa – sei que é!
mas do mar não teme as iras
quem em Deus depõe a fé;
é pequena a recompensa
da vida custosa assim;
mas se a fome não me mata
que me importa o resto a mim?
Vou da Cabaceira às praias,
atravesso Mussuril,
traje embora o céu d’escuro,
ou todo seja d’anil;
de Lumbo visito as águas
e assim vou até Sancal,
chegou depois ao mar-alto
sopre o norte ou ruja o sul.
Só à noite casca ataco
para o corpo repousar,
e ao pé da mulher qie estimo
ledas horas ir passar:
da mulher doces carícias
também quer o pescador,
pois d’esta vida os pezares
faz quasi esquecer o amor!
Sou pescador desda a infância
e no mar sempre vaguei;
a pesca me dá sustento,
nunca outro mister busquei;
e em quanto tiver os braços,
a pá e a casquinha ali,
viverei sempre contente
neste lidar que escolhi.
*Estes versos foram escritos em Abril de 1874, por um obscuro amanuense da Administração da Ilha de Moçambique chamado José Pedro da Silva Campos e Oliveira. Natural da Ilha, Campos Oliveira foi residente em Goa, onde terá estudado jurisprudência (Manuel Ferreira, no III Volume do Reino de Caliban, refere que não se confirma que terá estudado Direito em Coimbra), e regressado à sua terra natal, foi fundador, proprietário e director de um periódico, tendo deixado colaboração em muitas outras revistas e jornais.
P.S: Com estes versos de patrício meu, de há mais de cem anos, a todos desejo em dobro, para 2006, daquilo que para mim peço.
Um abraço
Fernando Gil (O Macua de Moçambique)