Sérgio Vieira
Como moçambicano e em contacto com o país e os colegas que estavam em Poitiers, Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi, havendo já falado com Marcelino dos Santos, não partilhava da desconfiança dos colegas angolanos, em especial. Conhecia também o papel de Mondlane para a promoção da nossa fuga colectiva.
Eduardo Mondlane falou comigo à parte, levou-me a almoçar num restaurante, que embora sem luxos, sempre me libertava da rotina dos restaurantes universitários, frequentava então o Mabillon e o restaurante dos estudantes muçulmanos, em Saint Michel.
Contou-me a sua visita a Moçambique, deu pormenores sobre o Massacre de Mueda. Falou, depois do imperativo da unidade e das causas dos fracassos anteriores da luta pela independência, mencionou-me o dilaceramento de Angola, onde a UPA mais que combater os colonialistas, procurava aniquilar o MPLA.
Explicou-me, detalhadamente, a situação da UDENAMO e da MANU. Não me recordo de haver mencionado a UNAMI.
Sobre a UDENAMO e a MANU alertou-me sobre o facto de ambos movimentos lhe parecerem padecer de grandes tendências tribais, muito embora houvesse gente sã no seio deles.
Marcelino dos Santos já nos havia contado estas situações preocupantes.
Entre os poucos moçambicanos, ora em Poitiers onde estudavam Chissano e Mocumbi, ora em Paris, onde me encontrava, com o Ganhão, o Almeida Matos, a Elisabete Sequeira, o Américo e o Walter Leitão, o Rui Nogueira e a Isabel Brito (estes quatros últimos abandonaram-nos aos poucos), discutimos e decidimos fazer funcionar a UNEMO, criada pouco antes em Moçambique pelo Chissano e Mocumbi e alguns outros companheiros.
Em coordenação com o pequeno grupo que estudava na Suíça, o Valeriano Ferrão e a Ana Simeão Neto, e com os que estavam nos Estado Unidos decidimos, em bloco, não aderir a nenhum partido e exigir a unidade.
Não me recordo se o Mocumbi, se o Chissano, mas um deles deslocou-se a Dar-Es-Salaam e transmitiu a nossa posição a favor da unidade. A 25 de Junho de 62 todos nos tornamos membros da FRELIMO, como acordado.
Para o I Congresso da FRELIMO creio que foi o camarada Chissano.
Em Maio de 1962, através do Marcelino que estivera em Acra, tomámos nota do protocolo assinado entre a MANU e a UDENAMO, com a sequência no acordo de fusão, assinado a 25 de Junho em Dar-Es-Salaam e marcando o nascimento da Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO-, com Mondlane na direcção. AUNAMI assinou posteriormente.
Considerámos que desde esse dia fazíamos parte da FRELIMO.
Aparentemente, durante o encontro de Acra, quando se tratou de discutir o nome da nova organização, Gwambe sugerira o nome, Frente de Libertação de Moçambique e a sigla FRELIMO. Durante toda a sua vida política pouco mais fez do que criar nomes de organizações e siglas, que tão depressa se formavam como se esvaíam. Assinou o Acordo, não secara a tinta e já criara uma NOVA UDENAMO, seguida duma FUNIPAMO, transformada em MORECO e depois COREMO, etc. No fundo almejava mais presidir do que fazer e, motivado pela ambição, estava pronto a toda e qualquer aliança e mesmo traição.
Pouco depois encontrei-me com Adelino Gwambe em Helsínquia, no Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes. Rapidamente me explicou que não apoiava a FRELIMO porque dominada pelos imperialistas americanos e porque recusava a luta armada, o contrário da informação de que eu dispunha. Abstive-me de o contrariar.
Confesso que na conversa, deambulávamos pelas ruas de Helsínquia, fiquei estarrecido quando me confessou receber revelações do espírito de Lumumba e, por duas vezes, interrompe o que me dizia, fica hirto e diz-me que se está a comunicar com Lumumba! Este primeiro encontro foi o último, nunca mais o vi.
Durante este período inicial da vida da FRELIMO, Gwambe que gozava de apoios no Bureau for African Affairs, no Ghana, lança campanhas de imprensa muito violentas contra Mondlane e a sua esposa, Janet, acusados de agentes do imperialismo americano. O Spark e a sua edição em português A Faúlha são os grandes veículos da campanha anti FRELIMO e anti Mondlane. Lembro-me de na época haver escrito uma carta ao jornal denunciando as falsidades e calúnias propaladas.
Surgia uma certa rivalidade entre o Ghana e o Tanganhica, o Ghana querendo o papel de protagonista na causa da libertação, o Tanganhica, por força das circunstâncias geográficas impondo-se com um real protagonismo.
Continua...
Boletim Informativo do Partido Frelimo nº 172 – 16.11.2005