KHOMALA !
Por Vasco Fenita
Chama-se Guida. Reside presentemente na cidade de Nampula. Voltou recentemente de Nacala-Porto, aonde fora, com os dois filhos menores, passar o Natal junto dos pais e irmãos. Ela está, neste momento, à minha frente. Na Redacção do “Wamphula Fax”. Acompanha-a o marido, que aparenta, igualmente, rondar os trinta anos de idade.
Diz ela que nasceu e viveu muitos anos naquela cidade portuária, até se casar. Contudo, por mais volta que dê à cachimónia, não se recorda de ver a urbe, que detém um dos maiores portos naturais do continente, atormentada por tamanha insegurança como
agora. ”Sinceramente, não há memória de Nacala estar mergulhada num aluvião de assaltos à luz do dia e em plena via pública, como actualmente se regista.”
Visivelmente traumatizada, a minha interlocutora prosseguiu com a voz embargada e o semblante crispado: ”Nacala está, actualmente, transformada num autêntico inferno, em que os agentes da Lei e Ordem parecem ter enveredado por uma greve generalizada ou por férias colectivas.
Tal é o à vontade, o requinte, a desfaçatez com que os malfeitores perpetram as suas acções hediondas. Dá a impressão de uma terra desgovernada, sem rei nem roque. Por outra: parece que em Nacala impera a chamada lei da selva, de salve-se quem puder.
Em que ninguém se bule, um poucochinho sequer, com a situação atroz que caustica aquela cidade à beira-mar erguida.”
A minha entrevistada observa ainda: “Quando se sai de casa, há que rogar à Providência para que se regresse são e intacto... Não só se tornou perigoso circular a pé em Nacala.
Mesmo até de motorizada e de carro, os assaltantes emboscam-nos a todo o momento. E ai de quem nada de valor traz para ser roubado, para servir de ónus: os larápios apodam-no de mafioso e maltratam-no impiedosamente.
E, nessas circunstâncias, ninguém acode ninguém, com medo de vir a sofrer retaliações. Mesmo que a vítima seja nossa parente, amiga ou conhecida. Portanto, salvo raríssimas excepções, é cada um por si e Deus por todos!...”
E explica-me como se processam, normalmente, os saques às viaturas estacionadas ou em plena circulação nas artérias citadinas ou periféricas.
Um dos grupos de larápios escarrapacha-se na respectiva carroçaria, e, depois de manietar o ajudante, incumbe-se de baldear os objectos de interesse para o outro grupo de recepção e encaminhamento, que, aliás, não se despega do carro até à consumação da operação. Salvo se o motorista der conta da ocorrência e, consequentemente, imobilizar o carro.
E é ainda com a voz tremente que Guida me relata dois episódios ocorridos com seus familiares na zona baixa e de que foi testemunha ocular.
Para ilustrar o clima de terror e instabilidade que atanaza a população porto-nacalense. Um deles deu-se com os seus pais, no regresso de uma festa, ainda a meio da tarde da véspera de Natal. Já à entrada do prédio em que residem (e ante o olhar impávido do respectivo guarda), foram barbaramente espancados e despojados dos valores monetários, celulares e fios de ouro por três indivíduos disfarçados de mendigos, que caminhavam no seu encalço. Já esta semana, por alturas do meio-dia, uma sua irmã adulta foi interceptada por dois meliantes num local de certo modo movimentado, e, porque não trouxesse consigo nada de valor que lhes interessasse, foi alvo de contundentes agressões verbais e físicas, ao extremo de ficar reduzida às vestes mais íntimas.
À despedida, foi a vez do marido da entrevistada, até então taciturno, advertir-me para que, em eventual deslocação à Nacala, não me esquecesse de que é proibido circular depois das dezoito horas nas ruas daquela cidade. E concluiu, sustentando que na cidade - capital de Nampula, a despeito de maior densidade populacional, respira-se uma atmosfera relativamente mais pacífica e ordeira.
Por dificuldades de contacto, não foi possível registar o depoimento das autoridades competentes daquele distrito. Todavia, o nosso Jornal estará disponível para acolher o esclarecimento que se julgar pertinente sobre o assunto.
WAMPHULA FAX – 03.01.206