(Maputo) Não foi assinado em Janeiro último, como estava previsto, o “Acordo Final” formalizando a inversão da estrutura do capital social da Hidroeléctrica de Cahora Bassa. Nem em Portugal, nem em Moçambique houve já algum esclarecimento oficial sobre o que se possa estar a passar.
Nos termos do memorando do entendimento assinado entre Moçambique e Portugal em Novembro do ano passado, o estado moçambicano passará a deter 85% do capital social da HCB contra os actuais 18%. Em troca, Moçambique terá de pagar, na totalidade, 950 milhões/USD ao Estado português. Dessa quantia, 250 milhões/USD prevê-se que sejam pagos repartidos em duas prestações de idêntico valor, ainda no ano corrente. A primeira prestação deveria ser paga em Janeiro e a segunda vence em Outubro. |
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O remanescente, de 700 milhões/USD, de conformidade com o acordado pelo PR moçambicano, Armando Guebuza, em Lisboa, com o PM luso, José Sócrates, deverá ser pago por Moçambique a Portugal um ano após a assinatura do Acordo Final, num mês de 2007 ainda por determinar. A questão que de imediato se levanta é a de saber aonde irá Moçambique obter o dinheiro para cumprir com os compromissos assumidos em Lisboa a 2 de Novembro de 2005? |
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Fontes estimam que em 2004, os lucros líquidos da HCB foram de 30 milhões/USD. E que até finais de 2007, esse valor poderá duplicar com a entrada em vigor das novas tarifas acordadas com a África do Sul. |
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A capacidade de produção da HCB poderia triplicar, passando dos actuais 2.000 megawatts para 6.000 megawats, mas isso implicaria um acréscimo dos encargos financeiros na ordem dos 4 mil milhões para a instalação de geradores adicionais na margem norte da barragem. O retorno do capital só se verificaria por volta de 2012, se as obras de expansão da HCB tivessem início no imediato. |
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De quaisquer das formas, à partida o Estado moçambicano não se pode socorrer das receitas da HCB para custear os encargos financeiros decorrentes do memorando de entendimento assinado com Portugal. |
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Também não parece ser viável que o governo moçambicano vá bater à porta dos doadores para obter os fundos em causa. |
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Anualmente, Moçambique necessita de angariar junto de entidades doadoras montantes para custear cerca de 50% das contas do Orçamento Geral de Estado. |
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Do mesmo modo, não faria sentido que os países doadores, que recentemente perdoaram a dívida moçambicana, dessem a sua anuência a um endividamento de vulto por parte de Moçambique, correspondente a cerca do dobro daquilo que é negociado anualmente com o Clube de Paris. |
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Poderá restar o recurso à hipoteca da HCB junto de parceiros eventualmente interessados em investir na hidroeléctrica. Tratar-se-ia, do ponto de vista moçambicano, de um investimento a curto prazo já que é intenção do actual governo alcançar o que sempre pretendeu: atingir o controlo efectivo da empresa. |
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Na prática, Moçambique passaria a administrar uma nova empresa mista, na qual, e por força das circunstâncias, deixaria de controlar os 85% do capital social que em principio lhe é conferido por via do acordo firmado com Portugal. |
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Em suma, uma mera mudança de dono, se bem que com uma ou outra alteração pontual, mormente o direito de colocar quadros moçambicanos em posições anteriormente ocupadas por portugueses. |
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Na eventualidade, ainda que aparentemente remota, de um novo conflito interno no país, os investidores no seu todo acarretariam com os prejuízos caso as linhas de transmissão viessem a ser sabotadas. |
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Não seria verosímil que a nova HCB viesse a adoptar posição diferente da antiga empresa, a qual, não obstante os prejuízos decorrentes da sabotagem das linhas de alta-tensão, nunca cedeu perante as exigências da Renamo para o pagamento de uma determinada soma anual que permitiria a passagem de corrente do Songo à estação Apolo, nos arredores de Pretória. E se calhar até convinha a Portugal que assim fosse, pois desse modo manteria por tempo indefinido o controlo sobre a HCB. |
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Resta portanto saber se os potenciais investidores estariam dispostos a alinhar numa parceria, inteligente na óptica moçambicana. |
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A Eskom da África do Sul seria um parte interessada em adiantar o capital de que o Estado moçambicano necessita para fazer face aos compromissos assumidos com Portugal. |
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Aliás, por intermédio da Eskom, a África do Sul tudo fez para arredar Portugal da posição maioritária que detinha na HCB, protelando as negociações em torno das tarifas por kilowatt pagas à hidroeléctrica. |
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E nisso, os sul-africanos contaram com o apoio tácito do próprio governo moçambicano a ponto das autoridades portuguesas terem sugerido que o diferendo fosse solucionado por via da arbitragem. |
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A muito custo, incluindo a suspensão do fornecimento de energia da HCB à África do Sul, a Eskom acordou que as tarifas passassem "gradualmente dos 3.6 cêntimos do Rand por kilowatt-hora para 12,5 cêntimos do Rand, em 2007, o que corresponde já aos preços de mercado. |
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Quando se iniciaram as negociações tripartidas entre Portugal, Moçambique e a África do Sul, a Eskom pagava 2 cêntimos do Rand por kilowatt-hora. |
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Presentemente, a capacidade de produção de energia da Eskom é de 27.371 megawatts. Na estação fria, a demanda é na ordem dos 33 mil megawatts. |
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Estima-se que em 2009, a África do Sul terá um déficit de energia eléctrica calculado em 5 mil megawatts. Estudos indicam que o aproveitamento pleno dos recursos energéticos do Zambeze iria não só dar resposta às necessidades de consumo dos sul-africanos como também seria economicamente mais viável do que desenvolver fontes alternativas de energia na própria África do Sul, mormente as centrais térmicas com recurso ao carvão. |
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Uma outra parte interessada, segundo se depreende de notícias recentes, seria a China. Stanley Ho, o destacado empresário de Macao, tem sido apontado como o intermediário, ao qual estão ligados interesses portugueses afectos ao Partido Socialista, sendo de destacar Almeida Santos seu ponta de lança. Moçambique faria parte da equação por via da Moza Capital, SARL. O GPZ (Gabinete do Plano do Zambeze) tem vindo a manter contactos com investidores do Kuwait, sendo o seu director, o coronel na reserva Sérgio Vieira, tido como a possível figura de proa da nova empresa pública moçambicana, se bem que isso ainda esteja sujeito a que o tempo o clarifique. |
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Ver-se-à também com o tempo o que resultará por fim do que Luís Mira Amaral: considerou no Expresso de 26.Novembro.2005, "Um bom acordo em Cahora Bassa. N.R.: Os estudos a que recorremos são vários como fontes primárias deste artigo |