Canal de Opinião por Luís Nhachote
Um desafio para os historiadores
Na contramão da(s) verdade(s) que se instala(m), livros e/ou documentos tem a virtude sublime de resgatar das trevas da história – ainda que da idade moderna, ou pós-modernista – elementos escurecidos que podem servir como ponto de partida para a compreensão da maneira como se constrói essa mesma História que alguns dos seus protagonistas contam quase como que a seu bel-prazer além de a pretenderem eterna. É como se vai dizendo: “a história é escrita pelos vencedores”...
Entretanto vivem-se anos, décadas, e em alguns casos séculos, debaixo de mentiras, as tais que nem sempre têm pernas curtas.
“Se não sabes de onde vens, não sabes para onde vais” reza um velho adágio que pode servir de peça chave para os historiadores e/ou pretendentes, sobre a ímpar figura do moçambicano Adelino Chitofo Gwambe.
Era um jovem que aos 20 anos de idade, funda o primeiro movimento nacionalista moçambicano (UDENAMO-União Nacional Democrática de Moçambique) que já em 1960 apontava o caminho da libertação nacional com recurso à luta armada.
A «UDENAMO» antecedera assim à criação que viria a acontecer só em Junho de 1962, da Frente de Libertação de Moçambique. E antecipou-se 4 anos à proclamação da insurreição armada que os “sobreviventes da Frente de Libertação de Moçambique” só em Setembro de 1964 viriam a perceber que era o único caminho a seguir para convencer o governo colonial a ceder aos desejos de emancipação dos moçambicanos.
Será que Adelino Chitofo Gwambe não cabe nos manuais da história? Num país que se pretende virado para a reconciliação, rumo a um futuro isento de máculas do passado, por que razão não se reconhece essa ímpar figura? Será apenas porque não fazia parte do grupo dos auto-proclamados heróis nacionais?
Será apenas porque o nome de Adelino Gwambe não cativa os detentores das ferramentas da história? Ou é antes eles estarem militantemente inibidos de o fazer, pelas benesses de que necessitam e usufruem? Será que toda uma sociedade pode continuar a acreditar em historiadores viciados no vício da sobrevivência? Conhecerão eles toda as vertentes da História para que nos apresentem uma versão incompleta como o tempo vem provando que é? Não se apercebem disso? Como assim (?) se já todos perceberam...
Dos documentos disponíveis, o então jovem Gwambe é mesmo a primeira referência do movimento de libertação nacional. Nem ele nem Mondlane terminaram a história que começaram. Mas Guwambe começou primeiro a fazer essa história. Ele tinha os ideais bem definidos, sobre aquilo que viria a ser a realização das suas aspirações. Foi apelidado de traidor por defender um caminho com que os seus confrades da primeira hora do movimento de libertação nacional se diziam em desacordo. Mas os seus detractores acabaram, quatro anos mais tarde, por seguir as suas teses.
A via armada, como, aliás, bem teorizara, Franz Fanon sobre a descolonização como um processo violento, era já a tese dos que depois foram por aí e sempre esconderam aos moçambicanos a figura de Gwambe.
Deambula entre nós, ainda, o histórico Marcelino dos Santos, que à altura da formação do primeiro movimento de libertação nacional, a UDENAMO, tinha 36 anos. Foge à verdade, chegando mesmo a ameaçar com a violência, sempre que se fala do seu ex-chefe Adelino Gwambe que, tal como Uria Simango, viriam a ser abatidos extra-judicialmente naquilo que começa a ser tido pelos cidadãos deste País como um crime de Estado.
Uria Simango – qual outro eliminado – tal como dos Santos foi também subordinado desse cérebro moçambicano jovem que um dia teve a ousadia de chefiar “os mais velhos”.
Metendo a mão na consciência, Joaquim Chissano já reconheceu, por via de uma comunicação, que foi graças às conexões com Gwambe e de Gwambe, que ele próprio chegou pela primeira vez a Dar-Es-Salam, na Páscoa de 1962, ido de Paris.
Será que Marcelino dos Santos não é capaz de meter também a mão na consciência, deixar-se de ameaçar jornalistas e envergonhar o seu partido, e em nome da reconciliação com a própria história, decidir-se finalmente a contar – ainda que em memórias – as peripécias e o papel do seu primeiro chefe pela causa nacional?
Gwambe, que por Eduardo Mondlane e outros dos seus detractores ainda vivos neste «mundo cão», foi rotulado de “miúdo” e “aventureiro”, é, primeiro, pela idade que tinha, um “estudo de caso” para os historiadores deste país. Só assim os meninos de hoje poderão soletrar amanhã, as verdades.
Em nome da reconciliação com a História.
Armando Guebuza diz que não é juiz, para a atribuição do título de heroicidade a Gwambe, Feliciano Gundana não sabe se ele deve sê-lo,...e blá, blá, blá, enfim... o blá dos critérios.
Com este desafio de resgatar os feitos de Gwambe, os historiadores, iluminariam os sinuosos caminhos da génese da criação da Frelimo, que dados indicam que terá sido anunciada por Gwambe em Acra, Gana, antes de Mondlane e seus discípulos.
De facto, tal como sentenciara Henry Lefevre, num dia registado do século passado, a “história é uma sequência de factos sem encadeamento”.
Os “dois” lugares da morte de Mondlane espelham isso, embora qualquer homem só possa ter um lugar para morrer.
Estão preparados para o desafio caros historiadores?
A verdade dói, mas liberta. Não sei onde já li Isso!?(x)
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 24.02.2006