Carta Por: Grácio Abdulá Portugal As caricaturas de Maomé têm ocupado a actualidade mundial, com debates e mais debates... Não é pertinente perguntar qual a diferença entre um fundamentalista ocidental e um fundamentalista islâmico? Claro que a resposta é sim. Pessoalmente não vejo qualquer diferença entre a arrogância ocidental e o fundamentalismo islâmico. Ambas pecam por excesso. Uma pela suposta "superioridade" civilizacional que os torna cegos, outra pela suposta superioridade religiosa que os torna surdos. Não! É falso o argumento do choque de religiões, porquanto estamos perante posições radicais de civilização e religião. Se é verdade que a liberdade de expressão tem limites, também não é menos verdade que as manifestações tenham que ter limites. E isto é quase como o problema antiquíssimo de saber quem é que apareceu primeiro, O OVO OU A GALINHA? Os ocidentais dirão que foi o ovo, por isso a liberdade de expressão não deve ter limites e por conseguinte está acima de qualquer religião. Por sua vez os fundamentalistas islâmicos dirão que quem apareceu primeiro foi a galinha, por isso a religião é intocável e está acima de qualquer liberdade de expressão. Este assunto é complexo e não pode ser tratado de forma simplista. Por um lado temos um valor supremo para as democracias ocidentais que é a liberdade de expressão, por outro lado temos também um valor supremo para os muçulmanos que é a Fé, a Religião e a Crença. O Profeta Maomé faz parte desse valor supremo para os muçulmanos. Ora caricaturar de forma abusiva e provocatória aquilo que é Sagrado para os outros é liberdade de expressão? Seguramente que não! Da mesma forma que é negativo que os muçulmanos não sejam capazes de compreender quão Sagrado é para as democracias a liberdade de expressão, que é o meio através do qual cidadãos anónimos têm voz e vêem acender-se uma luz no fundo do túnel para a realização da justiça. As massas não podem ser manipuladas em nome da civilização, nem em nome de Allah. Sou africano, muçulmano, defensor convicto da liberdade de expressão e da liberdade de credo, com plena consciência de que a democracia é o menos mau de todos os sistemas políticos. Como africano sofro por ver o meu Continente desprezado, roubado e maltratado muitas vezes pelos seus próprios filhos. Como muçulmano sofro por saber que existe um grupo que em nome de Allah comete atrocidades, colocando-me numa posição desconfortável perante ocidentais ignorantes. Como democrata no ocidente sofro por não aceitar a arrogância baseada numa suposta civilização que tende impor a todo o mundo a democracia como se esta fosse a única via perfeita conducente à felicidade dos povos! O AUTARCA – 17.02.2006