Uma crise que se aproxima?
(Joanesburgo) Cidadãos estrangeiros poderão, num futuro breve, ficar impossibilitados de adquirir bens imobiliários, nomeadamente casas, propriedades agrícolas e comerciais, parques de caça e campos de golfe, caso o governo sul-africano aceite as recomendações contidas num estudo recentemente levado a cabo por académicos ligados à Universidade da África do Sul (UNISA). Encomendado pelo ministro sul-africano para a questão das terras, Thoko Didiza, o estudo recomenda como medida imediata e até que seja adoptada nova legislação regulando o negócio de terras, que o governo institua uma moratória impedindo a venda daquele tipo de propriedades a cidadãos ou entidades estrangeiros.
Activistas apostados numa reforma da lei de terras consideram que, como consequência do interesse que entidades estrangeiras têm vindo a mostrar por terras consideradas de primeira categoria, provocou, nos últimos anos, uma subida alarmante de preços, incompatíveis com «o bolso» da esmagadora maioria do povo da África do Sul. De acordo com dados citados pelo «Mail & Guardian» de Joanesburgo, “o preço das casas aumentou em 229% desde os últimos seis anos”.
Aquele semanário, que se publica em Joanesburgo, refere ainda numa das suas edições que, de acordo com agentes de imobiliária, a subida de preços resultou do “relativamente forte crescimento económico, de uma taxa de juros baixa, e da procura por parte da classe média negra emergente”.
Os agentes de imobiliária alegam que o investimento estrangeiro no sector equivale a menos de 1% das transacções efectuadas, mas os responsáveis pelo estudo atrás referido acham que tal é impossível de determinar com precisão dado que não existem dados concretos.
A própria política de redistribuição de terras que o governo pôs em marcha desde as mudanças políticas de 1994 poderá emperrar pois os fundos atribuídos para esse fim depressa se esgotarão face à valorização que entretanto surgiu no sector da imobiliária.
Reagindo à divulgação do estudo, o «Instituto de Agentes de Imobiliária da África do Sul» considera que a ser aceite pelo governo “a moratória ora proposta terá um impacto desastroso no desenvolvimento de bens imobiliários no país.” Mas, de acordo com um membro do grupo que elaborou o estudo, a moratória seria um medida meramente temporária destinada a evitar o que classificou de “pânico” na compra de propriedades (e assim provocar uma nova alta de preços) enquanto nova legislação não entre em vigor.
A «Aliança dos Movimentos de Terras e Agrários», um grupo de pressão sul-africano, aplaudiu a ideia de uma moratória, mas fez notar que as terras na posse de estrangeiros não era um problema de maior. Para esse grupo, o cerne da questão gira em torno da posse de terras por agricultores brancos.
Para a «Aliança Democrática» (DA) – um partido na oposição – “o governo está a usar as restrições na posse de terras por parte dos estrangeiros como uma forma de desviar as atenções do fracasso da política destinada a conferir posse de terras e casas ao povo sul-africano.” Para a AD, o estudo encomendado pelo governo “baseou-se em considerações e percepções políticas e partidárias.”
Nos últimos 5 anos, o governo do ANC já redistribuiu um total de 4 milhões de hectares de terras anteriormente detidas especialmente por agricultores brancos. Para os próximos sete anos, o governo tenciona despender 9 mil milhões de Randes no âmbito do programa de redistribuição de terras, conforme se lê nas propostas orçamentais que o ministro das Finanças sul-africano, Trevor Manuel, apresentou recentemente no Parlamento.
De momento, a política do governo assenta no princípio do “acordo mutuo” entre o comprador e o vendedor. Ao contrário da política adoptada no Zimbabwe, o governo sul-africano considera que “a expropriação de terras seria um último recurso, só aplicável se as negociações com os actuais proprietários de terras fracassassem.”
Tozy Gwanya, responsável pela execução da política de redistribuição de terras, precisou que “avaliadores independentes determinam o valor duma propriedade na base do qual o governo apresenta uma proposta de compra ao proprietário”. Entretanto, “este poderá recorrer a um avaliador profissional caso discorde do valor atribuído”. E, “na eventualidade de uma situação de impasse, um terceiro avaliador procederá à revisão do processo”, determinando “um valor justo” pela propriedade a transaccionar.
Uma outra situação de impasse surgiu da subida dos preços da imobiliária verificada nos últimos seis anos, levando uma boa parte dos proprietários, que já havia assinado acordos de transferência de terras com o governo, a protelarem os trâmites finais do processo na mira de poderem vir a beneficiar dos novos preços de mercado.
Economistas consideram que caso o governo opte pela introdução de uma política de expropriação de terras, a medida não constituiria uma ameaça à estabilidade cambial do Rand ou dos mercados financeiros da África do Sul. Esta é uma posição não partilhada por Neesa Moodley, comentadora de questões económicas do «Business Report», que se publica em Joanesburgo. Para Moodley, “o conceito de expropriação de terras de imediato trás à mente a tomada de posse forçada de terras do estilo Zimbabwe.”
Moodley argumenta que “embora continue estável, a situação do Rand poder-se-ia alterar de um dia para o outro, especialmente se a impressão que os analistas estrangeiros passassem a ter da situação local se baseasse num cenário do género Robert Mugabe.”
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 27.02.2006