Canal de Opinião por Prof. Dr. André Thomashausen *
Li com muito interesse o vosso artigo “«HCB É Nossa» - Quem Paga a Factura?” (Canal nr.3). Gostaria de acrescentar algumas informações a respeito dos preços de (re)venda da energia da HCB praticados presentemente pela Eskom da África do Sul.
Em resposta a uma série de perguntas que haviam sido levantadas, o ministro das empresas públicas, Alec Erwin, referiu, perante a Assembleia Nacional sul-africana, em Novembro de 2005, que a «Botswana Power Corporation» pagava 13,16c./Rand por kilowatt-hora (kWh) fornecido pela Eskom. A «Swaziland Electricity Board» pagava 11,59c./R; a «Zambia National Energy Corporation» 21,45c./R; e a «Zimbabwe Electricity Supply Authority» 21,17c./R kWh.
Erwin disse ainda que estas tarifas iriam ser aumentadas brevemente.
Aos consumidores industriais da África do Sul, a Eskom cobra entre 15c./R e 18c. por kWh.
Em contrapartida, o acordo firmado entre a Eskom e a HCB em 2004 indica que a empresa sul-africana estava a pagar pelos fornecimentos da hidroeléctrica do Songo o preço já por si ridículo de 3,6c.R/kWh (três ponto seis cêntimos do Rand por quilowatt/hora), reflectindo ainda a já muito ultrapassada “conspiração” dos governos do apartheid e do colonialismo português.
Entre a Eskom e a HCB ficou concordado, em 2004, que a tarifa seria aumentada para os 12,52 c.R/KWh, mas a vigorar somente a partir de 2007. Quer dizer que, mesmo depois da eventual entrada em vigor dessa nova tarifa, a África do Sul continua a comprar energia à HCB para depois vender essa mesma energia pelo dobro do preço, sem lhe acrescentar nem um mínimo de mais valia.
Significa isto que a viabilidade de uma “nacionalização” a favor de Moçambique ou, em termos gerais, uma privatização, mesmo que parcial, da HCB, continua a deparar com um obstáculo fundamental que é a falta de capacidade (ou será de vontade?) por parte da actual administração daquela hidroeléctrica em fazer valer os seus direitos e praticar preços de mercado realistas na venda da energia à África do Sul.
Acho estranho que o parlamento moçambicano – a Assembleia da República – como órgão supremo de soberania nacional, em nenhuma ocasião se tenha lembrado de exigir uma prestação e publicação das contas da HCB (uma empresa plenamente sujeita ao direito moçambicano), incluindo uma contabilização da “triste divida” e dos custos da gestão, que são considerados dos mais elevados do mundo (quando se faz a comparação a nível global com semelhantes empresas). Quantas outras empresas com o simples estatuto de “sociedade limitada” gozam do privilégio de não terem de publicar os relatórios de contas, seja em Moçambique ou em Portugal?
E, além da questão das contas secretas, há a questão da transparência nas negociações sobre o que se pode considerar a conclusão da descolonização de Moçambique, quer dizer a entrega de Cahora Bassa ao Estado moçambicano. Será que a democracia em Moçambique se encontra ainda de tal forma subdesenvolvida e enfraquecida, que a Assembleia da Republica não tem o direito de exigir a apresentação dos acordos firmados para aprovação e ratificação parlamentar? Estranho ainda que em Portugal também não haja um único deputado a exigir a prestação de contas, nem um debate tendo em vista a ratificação parlamentar dos acordos. Uma verdadeira teia de segredos que parece longe de encontrar o seu desfecho.
Com os meus melhores cumprimentos e felicitações pelo lançamento do “Canal de Moçambique”.
(*) Director do Instituto de Direito Internacional e Comparado, Universidade da África do Sul (UNISA)
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 17.02.2006
NOTA: Estranha o Dr. André Thomashausen que "em Portugal também não haja um único deputado a exigir a prestação de contas, nem um debate tendo em vista a ratificação parlamentar dos acordos". Ora não podem os Srs. Deputados da Assembleia da República Portuguesa desconhecer o assunto, pois o mesmo lhes foi posto pelo signatário, pela segunda vez, no dia 9 do corrente mês.
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Fernando Gil