Palácio de Belém é «um espaço menor» para a «homenagem que tarda» aos heróis
Na zona exposicional do Café Santa Cruz - paredes-meias com a igreja onde está sepultado o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques - foi lançado na noite de quinta-feira passada o último livro do jornalista A. Santos Martins - 'Cabora Bassa - A Última Epopeia'.
Apresentou o livro o também historiador e vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Mário Nunes, que fez o elogio do autor e confessou aos presentes ter-se interessado tão vivamente pela obra que a leu «de um só fôlego».
Para Mário Nunes, o trabalho daquele autor conimbricense desperta o que de melhor há no orgulho patriótico português, sublinhando que ficou bem vincado no livro que, mesmo no período anterior à descolonização de 1975, como aconteceu na região do Zambeze moçambicano, os Portugueses escreveram em África epopeias que não desmereceram das dos séculos das Descobertas e da Expansão.
De acordo com o autor, também este seu livro - fruto de quase quarenta anos de investigação histórica e de 'memórias' que trouxe do Vale do Zambeze, onde fez Jornalismo antes, durante e até à conclusão daquela que é uma das maiores barragens hidroeléctricas do mundo -, foi escrito «quase de um só fôlego», depois de o actual Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, ter visitado Portugal no início de Novembro de 2005 e o Governo de Lisboa assinar um protocolo para a entrega «ao desbarato» da posição portuguesa na «Hidroeléctrica de Cahora Bassa».
O lançamento do livro aconteceu precisamente no dia em que o Conselho de Ministros tomou decisões sobre as privatizações a fazer em 2006 e 2007 - e o autor sublinhou que metade do «perdão» do Governo de José Sócrates a Moçambique, no caso daquela monumental barragem, daria para evitar as privatizações a fazer na EDP, na Galp-Energia e na REN (Rede Eléctrica Nacional).
«Se o perdão servir apenas o Povo Moçambicano, tudo bem, mas se for para engordar a Geocapital de Stanley Ho e Almeida Santos ou outros grupos capitalistas internacionais, então... tudo mal» - disse o autor de 'Cabora Bassa - A Última Epopeia, antes de referir que a HCB começou a gerar lucros de exploração em 2004, depois de muitos anos de exigências aos contribuintes portugueses (fala-se em 15 milhões de euros por ano), devido à longa e sangrenta guerra civil (Renamo-Frelimo) que se travou no território após a entrega de Moçambique ao movimento guerrilheiro liderado por Samora Machel.
O autor lembrou também que o Vale do Zambeze moçambicano («onde Portugal cabe várias vezes»), foi o território ultramarino onde os portugueses penetraram mais profundamente, logo a partir do início do século XVI.
«O habitual era instalarem-se feitorias fortificadas junto ao Índico, como aconteceu em Sofala e na Ilha de Moçambique. Mas logo nos primódios do século XVI os portugueses subiram o rio Zambeze até 800 quilómetros da costa, erguendo povoações, igrejas, organizando feiras para o comércio. Sena, Tete, Chicoa e o Zumbo são testemunhos da coragem dos nossos sertanejos e missionários. Mas também nos derramámos, naquele século, pelo território que é hoje o Zimbabwe».
Santos Martins, depois de lembrar que há cem anos (1905), «o nosso almirante Gago Coutinho» foi o primeiro europeu a subir à montanha do Kassongo (onde se desenvolveu Cabora Bassa)», não foi «nada meigo» com o britânico David Livingston.
«Livingston foi, sem dúvida, um grande explorador na segunda metade do século XIX. Mas também um grande mentiroso, pois chamou a si descobertas que os Portugueses haviam feito... 300 anos antes»!
Depois de referir que Cabora Bassa foi erguida no meio de um território fortemente afectado pela subversão armada da Frelimo - «que para ali orientou todo o seu esforço de guerra» -, ainda assim a majestosa barragem foi erguida, até lá chegaram todos os grandes equipamentos para a sua central hidroeléctrica e «o enchimento do seu imenso lago artificial, com quase 300 quilómetros de extensão, começou na data prevista e sem qualquer interrupção».
Para que isso acontecesse, houve um «esforço sublime de milhares de civis e militares», muitos dos quais morreram ou ficaram estropiados «para que se consumasse a última epopeia dos portugueses em África».
Para o autor, o Palácio de Belém é «espaço menor» para «a condecoração que tarda». Se o novo Presidente da República decidir homenagear aqueles heróis anónimos, «pois que o faça no anfiteatro que existe no Monumento das Descobertas e da Expansão, junto à Torre de Belém».