Moçambique está interessado em abrir no seu território um museu dedicado à escravatura criado em colaboração com outros países africanos, disse hoje em Paris a historiadora moçambicana Benigna Zimba.
O anúncio foi hoje avançado durante uma conferência de imprensa na Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), no final da primeira reunião do novo comité científico para a "Rota da escravatura", a que pertence Benigna Zimba.
"Queremos lançar um grande museu regional, instalado provavelmente em Moçambique ou na Tanzânia", acrescentou, indicando que vai começar em breve uma campanha de angariação de fundos.
Moçambique está empenhado em trazer este museu para o país, de forma a "dar um ênfase aos países lusófonos, porque até agora tem sido dado destaque aos países africanos anglófonos e francófonos", disse a historiadora à Agência Lusa.
Alguns dos locais possíveis para a sua instalação são a província de Inhambane, a Ilha de Moçambique ou Cabo Delgado, acrescentou Benigna Zimba, apesar de o projecto estar ainda num estado muito embrionário.
"Isto ainda vai demorar algum tempo, mas talvez em 2007 já haja algo de concreto", declarou a professora na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
O museu, que pretende ser "muito interactivo" terá em exposição "cartas de pessoas sobre o comércio de escravos, fotografias, vários objectos e filmes com testemunhos de familiares de antigos escravos", exemplificou.
Este espaço deverá centrar-se na divulgação de locais e rotas menos conhecidas do comércio de escravos, principalmente no Oceano Índico, e reunir obras literárias ligadas ao tema, acrescentou.
Por outro lado, lamentou que a criação do referido museu preencha um espaço deixado vazio pelo Museu da Escravatura em Angola, que "por motivos financeiros não se desenvolveu" e hoje "não tem a dinâmica desejável", A ideia de criar um museu na região sudeste do continente africano surge no seguimento de um projecto lançado em 2001, no âmbito da campanha sobre a escravatura lançada em 1994 pela UNESCO.
Este projecto deu origem a um livro, lançado no final de 2005 em língua inglesa, intitulado "Slaves Routes and Oral Tradition in Southeastern Africa", que reúne artigos de vários autores.
"Estamos a fazer um esforço para o traduzir para português e francês", disse a historiadora, organizadora da obra, em conjunto com Edward Alpern e Allen Isaacman.
Apesar da campanha sobre a escravatura ter culminado na comemoração, em 1994, do Ano Internacional da Luta contra a escravatura e a sua abolição, a UNESCO pretende agora "reactivar o comité científico e torná-lo mais operacional", explicou o director- geral, Koichiro Matsuura, na quarta-feira, na abertura da reunião.
Matsuura defendeu a necessidade de recordar o comércio de escravos e a escravatura pois "esta tragédia continua no centro das questões polémicas actuais", nomeadamente no que respeita à construção de identidades nacionais e novas cidadanias.
Durante a conferência de imprensa, os membros do comité comprometeram-se a impulsionar o estudo da escravatura e divulgá-lo junto das novas gerações, não só nos países onde ela existiu, como nos países ocidentais.
Criticando a "História estabelecida e estratificada" que é estudada na Europa, o francês Jean-Michel Deveau lamentou a ignorância que se mantém sobre outras culturas.
"Queremos quebrar o muro de silêncio", sublinhou.
O comité científico internacional sobre a Rota da Escravatura é composto por 20 académicos e especialistas de diferentes regiões do Mundo, entre os quais se encontra a portuguesa Isabel Castro Henriques, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 24.02.2006