António Sopa
A recente publicação do álbum “Do Rovuma ao Maputo: A Marcha Triunfal de Samora Machel”, do tenente-coronel na reserva Raimundo Domingos Pachinuapa, celebra os 30 anos de independência moçambicana, homenageia o primeiro líder do país, Samora Moisés Machel, e, se se quiser, inaugura informalmente as celebrações que irão decorrer durante todo este ano, no âmbito do vigésimo aniversário da sua morte.
Há, após trinta anos de país independente, um claro défice de publicações sobre a “luta armada de libertação nacional” e os primeiros anos que se seguiram à proclamação da independência, em 25 de Junho de 1975. Há uma lacuna ainda mais grave de memórias dos próprios participantes que viveram esse período, apesar de promessas regularmente enunciadas e de projectos desenvolvidos em diversas instituições nacionais. O lançamento de livros, cujos autores tiveram uma participação relevante na saga independentista e na construção do projecto socialista, é, por isso mesmo, esperado com interesse e emoção pelo grande público, na perspectiva que novos dados e explicações sejam sugeridos, iluminando períodos ainda tão profundamente desconhecidos.
Assim, o livro do combatente, que viria posteriormente a ocupar importantes cargos governamentais no Moçambique independente, foi igualmente esperado com ansiedade. Mas aquilo que procurávamos encontrar ali, o que pensamos ser mais precioso, e que passa pelo registo pessoal do autor, a partir da vivência do acontecimento, pura e simplesmente não se encontra ainda nestas páginas. O leitor fica elucidado da sólida e profunda amizade que ligava Samora e Raimundo Pachinuapa, expressa na “nota pessoal” e em algumas das fotografias do livro, mas o que se segue é apenas a visão da imprensa da época, a partir de extractos publicados em obra antiga (“Datas e documentos da história da FRELIMO”, org. de João Reis e Armando Pedro Muiuane) e de imagens recolhidas nos diferentes arquivos do país.
Ora, o tenente-coronel Raimundo Pachinuapa foi um actor privilegiado da “viagem do Rovuma ao Maputo” e de muitas outras situações vividas no passado, não só pelo lugar que ocupava na estrutura do movimento independentista moçambicano mas até pelas relações de amizade que tinha com a liderança da FRELIMO, pelo que está em condições para fazer um relato diferente, mais pessoal, trazendo à superfície acontecimentos que possam ajudar a conhecer melhor a figura de Samora e a recepção do seu discurso nos vários cantos do país, em vésperas de alcançar a sua liberdade.
Parece-nos claro que a “viagem do Rovuma ao Maputo” serviu simultaneamente para mobilizar a população do país para os objectivos que se enunciavam e que se podem exprimir, de forma grosseira, na “sociedade nova”, sobretudo em áreas onde a influência da guerra libertadora não se tinha ainda feito sentir, ao mesmo tempo que uma parte da direcção da organização tinha um primeiro contacto directo com as populações, apesar das viagens regulares de informação do Primeiro-Ministro do então “Governo de Transição”, Joaquim Chissano, à Tanzânia. Mas é também uma “viagem” pelas emoções, de reencontros com pessoas (com o pai, Mandande Moisés Machel, por exemplo), rememorização de situações vividas e de tomada de decisões fundamentais (V Sessão do Comité Central, na praia do Tofo). Seria interessantíssimo saber dos preparativos da viagem, a despedida e o agradecimento à Tanzânia, a entrada em território nacional, a receptividade do discurso, já que sabemos que não foi o mesmo em todos os locais, os contactos com o povo miúdo e as personalidades locais, um interminável rol de grandes e pequenos acontecimentos, num hipotético diário a ser construído pelo autor.
Este comentário, que exprime a insatisfação dum leitor interessado, mais do que traduzir um desapontamento, serve igualmente para lançar um repto ao autor, que se traduz pela elaboração das suas próprias memórias pessoais, sabendo que elas terão uma importância excepcional para o conhecimento dos períodos referidos.
O livro é uma bonita peça bibliográfica, graficamente impecável, com um preço acessível.
Do Rovuma ao Maputo: A Marcha Triunfal de Samora Machel: Primeiro
Presidente de Moçambique
Raimundo Domingos Pachinuapa
Maputo, Edição do Autor, 2005, 63 p.
SAVANA – 17.02.2006