Para quem julga que Salazar não era previdente e que não sabia que a independência das colónias haveria de chegar e não em tempo muito distante, leia os termos em que a adjudicação da obra foi feita.
Coma devida vénia, extraio do livro CABORA BASSA - A ÚLTIMA EPOPEIA, a ser lançado em Coimbra no próximo dia 16, as seguintes passagens do Capítulo VI:
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A 12 de Março, tal como programado, foram abertas as propostas para o «aproveitamento de Cabora Bassa». Na cerimónia, Arantes e Oliveira tinha a seu lado um outro futuro governador-geral de Moçambique (o Eng°. Manuel Pimentel dos Santos), precisamente aquele que viria a cessar funções na província - já então chamada Estado de Moçambique e com larga autonomia - por força do golpe militar de 25 de Abril de 1974.
Novamente três consórcios internacionais a concorrer, com a ZAMCO ('Zambeze Consórcio Hidro-Eléctrico'} a apresentar a proposta mais baixa: - 7.033.048.345 escudos!
Sete milhões de contos, à época, era uma importância que provocava 'tonturas'! Mas o projecto era por demais grandioso, os seus benefícios iriam derramar-se por toda a África Austral e daí o envolvimento - dizia a Imprensa - «dos mais categorizados meios técnicos e financeiros mundiais».
Na sala das sessões do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, à mistura com técnicos e dirigentes empresariais de vários países, havia representantes de «agências noticiosas internacionais, dos órgãos de Informação estrangeiros, além dos jornalistas da Imprensa, Rádio, Televisão e Cinema nacionais».
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Dado o seu interesse histórico, aqui fica o programa então divulgado:
1 - Execução das obras principais de construção civil do aproveitamento hidroeléctrico, que compreende, na fase actual: construção da barragem; construção da central situada na margem sul (central subterrânea) com os respectivos circuitos hidráulicos (tomadas de água, condutas forçadas, chaminés de equilíbrio, difusores e galerias); tomadas de água para a futura e segunda central, que será situada na margem norte, também subterrânea; edifício de comando e subestação de emissão de energia; e subestação de recepção de energia na República da África do Sul.
2 - Trabalhos de injecções nas obras de desvio provisório e nas obras principais de construção civil.
3 - Fornecimento, transporte, montagem e ensaios dos equipamentos electromecânicos e eléctricos correspondentes às obras de desvio provisório e às obras principais. Na fase actual serão instalados 3 grupos com a potência de 400.000 KW cada um.
4 - Sistema de transporte de energia desde o barramento da subestação do aproveitamento hidroeléctrico de Cabora Bassa até ao barramento da subestação receptora, na República da África do Sul (1). A capacidade de transporte do sistema é da ordem dos 2 milhões de KW e a linha terá uma extensão de 1.400 Km.
5 - O programa inclui ainda a execução da segunda fase das obras de desvio provisório do rio Zambeze, destinadas apor a seco a zona das fundações da barragem;
a) No concurso, cujas propostas foram recebidas no dia 10 de Janeiro p.p., o programa de trabalho consistia apenas na abertura dos acessos entre as bocas de cada uma das duas galerias de desvio, na execução das testas de montante e jusante das galerias e na construção dos encontros da ensecadeira de montante.
b) Na consecução das obras de desvio provisório, fazem parte deste concurso a abertura das galerias e as obras de fecho do rio, isto é, construção da pré-ensecadeira de jusante e, finalmente, execução das ensecadeiras de jusante e de montante.
6 - Execução das obras acessórias:
a) pavimentação da estrada entre Moatize (terminal de caminho de ferro) até Matundo (povoação localizada na margem oposta à cidade de Tete) e do troço da estrada Tete-Changara, desde aquela cidade até ao entroncamento com a estrada de acesso a Cabora Bassa;
b) construção do novo traçado, incluindo pavimentação, desde o entroncamento com a estrada Tete-Changara até à entrada do estaleiro das obras;
c) construção do bairro definitivo destinado ao alojamento do pessoal da exploração do aproveitamento hidroeléctrico e da subestação de emissão da linha de transporte, abrangendo o respectivo acesso e os arruamentos e ainda os sistemas de abastecimento de água e de esgotos e as redes de energia eléctrica e telefónica.
7 - Paralelamente com as obras do empreendimento de Cabora Bassa, e embora delas não façam parte, têm interesse, para os trabalhos correspondentes ao aproveitamento, as facilidades que resultam da programação observada para o plano rodoviário da Província de Moçambique. Com a melhor conexão serão, portanto, levadas a efeito a pavimentação da estrada Vanduzi-Changara-Tete, ficando desta forma ligada, em condições de boa utilização, a cidade de Tete ao porto da Beira. No troço Changara-Tete será construída a última obra de arte em falta, aponte sobre o rio Mazoe e para ligação Moatize-Tete será ainda construída a ponte sobre o rio Zambeze que ligará aquela cidade à outra margem do rio.
As propostas sobre o grande empreendimento do Alto Zambeze moçambicano foram analisadas pêlos peritos dentro dos prazos previstos e, ainda na primeira quinzena de Julho de 1968, o Doutor Oliveira Salazar fez reunir o Conselho de Ministros, que decidiu «fazer a adjudicação provisória» ao consórcio ZAMCO.
A entrega definitiva da obra ficava, porém, «dependente de ser dada satisfação, pela adjudicatária, a um certo número de condicionamentos de ordem legal, administrativa, técnica e financeira, a definir em negociações ulteriores, que deverão estar concluídas até ao final do corrente ano».
Aqui, merece ser referido um pormenor importante, que terá condicionado a participação portuguesa na exploração de Cabora Bassa após a entrega - pelos chamados 'capitães de Abril' e seus comparsas civis - de Moçambique ao grupo guerrilheiro Frelimo.
Lê-se num documento de 1968, a que o autor teve acesso:
«O financiamento da obra será, por imposição do concurso, inteiramente assegurado pelo adjudicatário, ficando garantida a cobertura integral dos encargos de juro e amortização pelo produto da venda de energia, retirada deste a parcela consignada à exploração do aproveitamento. A amortização total do financiamento estará completada dentro do prazo de 20 anos, contados a partir da data do início da exploração do aproveitamento (2).
«A protecção das actividades nacionais interessadas no empreendimento é objecto de atenção especial».
A 7 de Setembro de 1974, Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes e os outros subscritores portugueses - e, por banda da Frelimo, Samora Machel - , seriam, também por força daquela «imposição do concurso» de Cabora Bassa, obrigados a firmar esta cláusula no chamado 'Acordo de Lusaka':
«A Frente de Libertação de Moçambique declara-se disposta a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome de Moçambique, desde que tenham sido assumidos no efectivo interesse deste território».
Caso para dizer: - o Doutor Oliveira Salazar «não dava ponto sem nó»\ Mas será que aquela cláusula foi respeitada, em 2005, no protocolo assinado com Moçambique pelo governo socialista de José Sócrates, não obstante o estado calamitoso em que sucessivos executivos 'abrilistas' (tal como os da Primeira República) deixaram as finanças públicas portuguesas?
1 - A República da África do Sul garantiu ao Governo do Doutor Salazar que, se necessário, compraria até 2/3 da energia produzida em Cabora Bassa.
2 - Em 2001, o presidente do Conselho de Administração da HCB, Carlos Veiga Anjos, dizia ao 'Expresso': «Cahora Bassa é uma empresa muito rentável se o seu preço de energia (então a ser negociado com a África do Sul de Nelson Mandela) estiver de acordo com o que se pratica no mercado, criando-se as condições para o seu (da barragem) normal funcionamento e retomando assim o seu desígnio inicial».
E assim vemos que Cahora Bassa teria de pagar-se em 20 anos, o que não aconteceu. Foi o POVO PORTUGUÊS que, pagando cerca de 3 milhões de contos anuais, liquidou aos credores a dívida existente. E um dos principais credores era a Suécia, também apoiante da Frelimo. Um dos motivos da sua não nacionalização?
A partir de 2004 passou a Hidroeléctrica a dar lucro.
Ninguém ainda explicou concretamente como as contas foram feitas para a "reversão" de Cahora Bassa para Moçambique. E qunto é que isso custou a cada português.
Recomendo pois a leitura do livro de A. Santos Martins para se compreender como o "elefante branco", até agora existente, não foi obra de Salazar mas de outros, devidamente identificados.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
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