PUBLICO - 23.03.2006
ANA DIAS CORDEIRO
Alguns dos guineenses que procuraram refúgio no Senegal. Exército de Bissau intensificou ofensiva contra independentistas junto à fronteira senegalesa, mas não controla a situação, diz investigador francês.
A evolução dos confrontos que, desde a semana passada, opõem o Exército da Guiné-Bissau a uma facção do Movimento das Forças Democráticas da Casamansa (MFDC) é "difícil de prever", disse Vincent Foucher, investigador francês do Centre d'Étude d'Afrique Noire, de Bordéus, numa entrevista telefónica ao PÚBLICO. Ontem, os militares guineenses intensificaram a ofensiva que decorre junto à fronteira, referiu Foucher à Rádio France Internacional em Paris.
Os guineenses estão a usar artilharia pesada, mas os independentistas da Casamansa são mestres na guerra de guerrilha, lembra Foucher, especialista no Senegal. O "ataque surpresa" dos homens de Sadio sobre a vila de São Domingos, já depois da presença das tropas guineenses, "prova que estes [independentistas] não vão desistir facilmente", considera. "A verdadeira questão é saber se os militares guineenses irão combater os guerrilheiros no terreno", acrescentou o investigador. Só aí se poderá avaliar a gravidade do conflito.
O Exército guineense disse esta semana querer pôr um fim definitivo às acções rebeldes da facção de Salif Sadio — fora do processo de paz em curso no Senegal — para defender a integridade territorial da Guiné-Bissau. Garantiu controlar a situação no terreno; mas não antecipou uma data para o fim da operação, que visa Salif Sadio, um dos chefes da antiga Frente Sul do MFDC, que em 1998 ajudou Ansumane Mane a derrotar as tropas leais a Nino Vieira, guineenses e senegalesas.
Seria Salif Sadio (com os seus 300 a 500 homens) que teria recentemente hostilizado militares da Guiné-Bissau. Mas esta é apenas uma das versões que circulam. A outra implicaria mais directamente as restantes facções do MFDC, comprometidas com a negociação da paz com Dacar e por isso também interessadas em neutralizar Sadio.
Senegal é o principal interessado
Na terceira versão, privilegiada pelo investigador Vincent Foucher, o Senegal aparece como o principal interessado — o Presidente senegalés, Abdoulaye Wade, que volta a disputar eleições em 2007, quer resolver definitivamente a questão da Casamansa e Salif Sadio surge como o único obstáculo à paz. "O Senegal tem uma grande influência sobre os militares guineenses", explica.
Além disso, existe um "velho contencioso" entre Salif Sadio e Nino Vieira [dos tempos da guerra de 1998], e o Presidente Wade percebeu que Nino Vieira o poderia ajudar nos seus objectivos, diz Vincent Foucher. Wade apoiou a vitória de Nino Vieira nas presidenciais guineenses do ano passado. Nino Vieira mantém o silêncio e continua ausente do país. Também o Presidente senegalês ainda não tomou posição.
Tem havido baixas entre os militares e os independentistas, mas não se sabe quantas. As informações são escassas e pouco fidedignas. Testemunhas de organizações humanitárias no terreno dizem ter visto vários militares guineenses mortos, e vários feridos. Estes últimos estão a ser transportados para tratamento na capital senegalesa.
Oficialmente, havia até sexta-feira pelo menos 11 civis mortos, vítimas de um acidente com uma mina. Os violentos combates dos últimos dias provocaram, pelo menos, 4500 deslocados na Guiné e refugiados no Senegal.
"Se há populações deslocadas, é porque houve tiros de artilharia guineense contra as aldeias", assegura Vincent Foucher. Nessas aldeias vivem refugiados da Casamansa, muitos dos quais partidários de Salif Sadio.
O Exército guineense pode controlar estradas e vilas, continua Foucher, mas para neutralizar a guerrilha, terá de combatê-la no mato. A confirmarem-se as dissensões no campo de Sadio, este seria o principal trunfo do Exército guineense, sobretudo se essas divisões resultarem em deserções de dezenas de combatentes.
Mas o que motiva este grupo? "Salif Sadio mantém-se muito firme no seu objectivo": a independência da Casamansa e só a independência. Se tem vontade ou potencial para desestabilizar o poder de Bissau, só o tempo dirá.