NA METADE DO SÉCULO XXI
"Na segunda metade do século XXI, os rios e pequenos cursos de água poderão secar devido as mudanças climáticas, o que poderá conduzir a explosão de um movimento migratório quando as populações deixarem de ter acesso às fontes de água", revela um estudo publicado na prestigiada revista «SCIENCE»
(Londres) As mudanças climáticas, consequêia do aquecimento global, poderão originar a eclosão de "guerras da água" na região da África Austral, na segunda metade do século XXI. Esta advertência vem inserida num artigo publicado na revista «SCIENCE», uma publicação de grande prestígio
internacional.
Falando à Agência de Informação de Moçambique(AIM), Maarten de Wit, da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul e um dos autores do artigo, diz que as mulheres serão as mais afectadas pelo problema da escassez de água.
De acordo com Wit, "muitas mulheres africanas, sobretudo nas regiões rurais, passam a maior parte do seu tempo percorrendo grandes distâncias a busca de água. No futuro, tais distâncias vão aumentar consideravelmente. Para as populações, poderá ser mais viável abandonarem a região e juntarem-se aos milhares de outros deslocados africanos que lutam pela sua sobrevivência".
Prosseguindo, ele disse que este poderá tornar-se no século das "guerras da água", advertindo que "a água, à semelhança de todos os outros recursos, também pode ser uma fonte de conflito".
"Geralmente, em África, os rios e as bacias hidrograficas delimitam as fronteiras internacionais. Em África representam quase 40% dos casos. Além disso, a maioria dos rios atravessam fronteiras internacionais", diz.
"Na África Austral, os conflitos parecem inevitáveis caso haja uma redução dos níveis de precipitação", disse Wit, acrescentando que "por exemplo, o armazenamento de água no Lago Kariba, pela Zâmbia e Zimbabwe, poderá ter um impacto negativo em Moçambique".
Por isso, estes assuntos devem ser abordados por todos os países que partilham as bacias dos rios. Ao estimar a disponibilidade de água no futuro, à semelhança deste estudo, é um dos factores essenciais para todas as iniciativas para a gestão das bacias de água de África.
Por isso, sustentam os autores do artigo, caso não haja uma maior cooperação regional, o perigo de conflitos devido à disputa do acesso a água vai continuar a crescer.
O estudo revela que mesmo ligeiras mudanças dos níveis de precipitação atmosférica podem conduzir a secagem dos rios, razão pela qual, os autores do artigo frisam que a "água é essencial para a sobrevivência do Homem, e que as mudanças da sua disponibilidade poderão ter implicações potencialmente devastadoras, sobretudo em África, onde a maioria da população depende dos rios locais para o abastecimento de água".
Este artigo tem como base um estudo da "Africa Earth Observatory Network" (AEON), uma instituição com sede na Cidade do Cabo, que usou uma base de dados de todos os rios e lagos de África para elaborar um modelo que ajuda a prever o efeito das mudanças dos níveis de precipitação sobre o volume do caudal dos rios.
O mesmo conclui que a relação é bastante complexa, pois nas áreas que recebem uma precipitação anual na ordem de 400 a 1.000 mm (milímetros), uma ligeira alteração da queda de chuvas poderá traduzir-se em efeitos mais severos nos rios perenes (rios que registam um caudal de água durante todo o ano).
O relatório é bem claro ao afirmar que "as futuras mudanças climáticas constituem uma das maiores ameaças para a erradicação da pobreza neste continente, e que as mudanças relativas à superfície das fontes de água vai exacerbar esta situação".
O estudo é baseado nas previsões futuras do comportamento da queda de chuvas determinadas a partir dos melhores 21 modelos de mudanças climáticas elaborados para os últimos 30 anos do século XXI.
Os cientistas prevêm que as regiões nas proximidades da Cidade do Cabo serão as mais afectadas, correndo o risco de perder mais de metade do volume de água nos rios perenes.
O Oranage, um rio que corre entre a África do Sul e a Namíbia, também poderá ser seriamente afectado, sendo que actualmente regista-se uma seca no Leste da África do Sul, a pior dos últimos 100 anos.
De acordo com o estudo, Angola também será profundamente afectado e, além disso, as populações das regiões rurais serão as mais prejudicadas.
No caso das cidades, o cenário é mais animador, pois os sistemas de gestão e de conservação de água poderão ser reestruturados para fazer frente às mudanças dos níveis dos caudais das águas dos rios.
Contudo, nas regiões rurais, onde as pessoas dependem dos pequenos rios e cursos de água, isso poderá não ser aplicável considerando que algumas fontes de água poderão ter secado na totalidade.
Os efeitos do aquecimento global, resultante da emissão dos gases causadores do efeito estufa produzidos pela actividade humana, não serão uniformes ao longo de todo o continente africano
No caso vertente, os autores usaram uma avaliação das mudanças climáticas elaborada pelo Grupo de Análises de Sistemas Climáticos, uma instituição de pesquisa também sediada na Cidade do Cabo, para além das pesquisas e outras organizações científicas internacionalmente prestigiadas.
Contrariamente às regioes da África Central e Oriental, o estudo prevê que a maioria da região da África Austral deverá registar uma redução dos índices pluviométricos.
De um modo geral, os resultados corroboram com um outro estudo, publicado recentemente pela revista «NATURE» intitulado: "Projecto do Sistema Dinâmico Terra, Clima e Água Contiental", que adverte que os rios da África Austral poderão registar uma redução de cerca de um terço do volume actual.
Esse estudo analisou mais de uma dezena de modelos climáticos para prever a complexa relação entre a temperatura e a precipitação atmosférica, que indica que os países da África Austral vão registar uma redução pluviométrica entre 10 a 30%, ao invés dos países da África Oriental, na região do Equador, onde vai ocorrer um aumento de precipitação entre os 10 e 40%.
Chris Milly, do Instituto Nacional de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos da América(EUA)- USGS - e um dos autores do artigo publicado na revista «NATURE», explicou a AIM que "o ar mais quente tem uma maior capacidade de retenção de água. Isso pode ter um impacto muito grande. Por cada aumento de um grau centígrado, o ar pode aumentar a sua capaciadade de retenção de vapor de água em mais 7%".
Um dos aspectos fundamentais para prever a região onde poderá ocorrer a chuva é identificar as regiões onde este ar húmido poderá se tornar em chuva.
De acordo com Milly, "a precipitação ocorre onde o ar quente arrefece durante a sua subida na atmosfera, o que resulta na condensação da humidade e consequentemente a queda de chuvas. Esta forma é o processo mais predominante nas regiões equatoriais", razão pela qual, Milly argumenta que
"é muito provável que qualquer aumento da humidade atmosférica venha a aumentar a precipitação nessas regiões".
As conclusões do estudo da «SCIENCE» são mais sombrias, pois prevêm que uma redução de 10% dos níveis de precipitação poderão resultar numa redução mais drástica nos volumes dos caudais dos rios das regiões afectadas.
Assim, uma redução de 10% da precitação atmosférica a Oeste do rio Zambeze, poderá resultar numa redução de 19% do volume do seu caudal de água.
Ainda no rio Zambeze, uma queda de 20% dos níveis de precipitação poderão conduzir a uma redução de 38% no volume do caudal de água.
A importância destas advertências ficou bem patente pela seca que atingiu Moçambique no ano passado, que reduziu o rio Limpopo, na província de Gaza, a um simples fio de água.
O mesmo fenómeno aconteceu com o rio Incomati, tendo o governo moçambicano acusado a África do Sul de violar os acordos internacionais.
Alias, a SAPA, Agência noticiosa sul-africana, reportou a 17 de Março último que Moçambique havia sumbmetido uma queixa formal junto às autoriadades sul-africanas, devido à redução do caudal do rio Incomati, cuja situação que em grande parte é atribuída aos farmeiros sul-africanos.
Actualmente, os caudais dos rios em todo territorio moçambicano registam níveis acima da média devido às chuvas que se fizeram sentir um pouco por todo o País durante as últimas semanas.
Porém, tudo indica ser pouco provável a possibiliade de ocorrância de cheias face à aproximação da estação seca.
AIM - VERTICAL - 29.03.2006