Sondagem: destinos da emigração pesam na escolha dos países do coração
Sonhos de riqueza com raízes na história e grandes férias, a preço acessível, com bom tempo e muita alegria, para além da facilidade do contacto e a familiaridade com astros de telenovela e ídolos do futebol são algumas das explicações para a predilecção arrasadora manifestada pelos portugueses na sondagem Correio da Manhã/Aximage sobre os países do nosso coração.
As férias no Brasil, a preço acessível, bom tempo e muita alegria constituem a nova face da identificação do Brasil com a riqueza
Brasil é sinónimo de fortuna para os portugueses. Foi a nossa terra do ouro e o dilecto ‘país irmão’. Além do ouro foi de lá que veio, com a assinatura de Gilberto Freyre (1990-1987), pedagogo, juiz e catedrático de Economia, a doutrina do luso-tropicalismo que considerava os portugueses como predestinados para ter boas relações com os povos dos trópicos, com três grandes países – Brasil, Angola e Moçambique – no primeiro plano.
As relações íntimas luso-brasileiras ultrapassam, de facto, muito as implicações históricas e não têm nada a ver com a proximidade que relaciona os portugueses com a Espanha. Mesmo discordando do luso-tropicalismo de Gilberto Frey, o investigador social angolano Filipe Zau também destaca a afectividade como factor primordial da ligação de Portugal com o seu país.
ATRÁS DA FORTUNA
A escolha dos portugueses é marcada nesta sondagem por um perseguir constante da riqueza que se nota até na simpatia por Espanha, o país vizinho e inimigo histórico da independência desde que, na Batalha de São Mamede, D. Afonso Henriques se emancipou da tutela de Leão e Castela. Como observou o embaixador de Espanha Enrique Panes ao CM, o tamanho dos capítulos dos livros de história estão sempre a mudar e a importância que antes se dava à rivalidade luso-espanhola passará com o correr dos tempos à cumplicidade e parceria que actualmente se desenvolve em todos os âmbitos pelos dois países ibéricos.
Indiscutível é o grande peso dos destinos de emigração entre os 17 países referidos na sondagem com a França e Suíça à frente de Moçambique e Angola e os EUA, Alemanha, Austrália e Canadá a obterem percentagens muito acima da força dos laços culturais e históricos.
A força da história pesará sobretudo na referência a Inglaterra, o mais antigo aliado de Portugal. E pouco mais, como se avalia pelo facto de Moçambique, mais distante e com uma pequena colónia de imigrantes em Portugal, pesar mais do que Angola e sobretudo do que Cabo Verde, mas o coração tem sempre razões que a razão desconhece.
BRASILEIROS REINAM ATÉ NOS ANÚNCIOS
Futebolistas e cantores brasileiros desde Vadinho e Elza Soares ou Ivon Cury sempre reinaram na cena portuguesa que viveu anos apaixonada pelos actores de telenovela como a ‘Gabriela’ Sónia Braga e o ‘Cacá’ António Fagundes que nos tempos recentes deram lugar a novos ídolos como Reynaldo Gianecchini ou Aline Moraes.
Os ídolos que com mais ou menos barulho chegam do outro lado do Atlântico são sem fim e hoje dominam até os placards de publicidade. A prova chama-se Ana Beatriz Barros, de 23 anos, e vê-se em todo o País a propagandear ‘lingerie’.
EMBAIXADORES DOS PAÍSES DO CORAÇÃO DOS PORTUGUESES MOSTRAM VONTADE DE RECIPROCIDADE
"ESPERO REFORÇO DA IRMANDADE" (António Paes de Andrade, Embaixador do Brasil)
“É com grande carinho e satisfação que acolho os resultados desta pesquisa e o carinho que os portugueses têm pelo Brasil”, disse o embaixador brasileiro em Lisboa, António Paes de Andrade, que cumpre missão em Portugal desde meados do ano passado depois de ter sido durante vários mandatos presidente da Câmara dos Deputados em Brasília e assumir nessa qualidade o lugar de presidente do Brasil em deslocação ao estrangeiro. E concluiu: “Tenho a certeza de que a recíproca também é verdadeira pois não estamos medindo esforços para bem receber os portugueses nos mais diferentes pontos do Brasil. Espero que cada vez mais as relações políticas, económicas e culturais reforcem essa irmandade luso-brasileira.”
"SOMOS PARCEIROS E CÚMPLICES" (Enrique Panes, Embaixador de Espanha)
“Mais do que países vizinhos, Portugal e Espanha têm hoje uma grande cumplicidade e desenvolvem uma parceria, com grande importância para os dois povos. É grande o conhecimento directo que portugueses e espanhóis têm uns dos outros. A Espanha é o destino de muitos estudantes portugueses tanto no programa Erasmus como para universidades. No sentido inverso há já mais de 130 mil postos de trabalho criados em Portugal pelo investimento directo espanhol. Mais, as pessoas conhecem a eficácia e honestidade da Banca espanhola. Portugal e Espanha entraram no mesmo dia para a Comunidade Europeia e fizeram muito trabalho em comum que vai mudar, de certeza, a extensão dos capítulos dos livros de história.”
"QUEREMOS MAIS DO QUE BRONZE" (Patrick Gautrat, Embaixador de França)
“Agradeço aos portugueses pela relação e o interesse que manifestam nesta sondagem pelo meu país. Esta relação é recíproca como testemunham todos os inquéritos do género em França. A comunidade portuguesa no meu país é um modelo de integração desde há 40 anos. Tradicionalmente os nossos povos foram muito próximos e, hoje, os laços culturais, económicos, educativos e universitários mantêm-se intensos, sem esquecer evidentemente o desporto, particularmente o futebol. Todos os dias, os colaboradores da Embaixada e do nosso Consulado-Geral no Porto testemunham esta realidade. A vossa sondagem atribui-nos a medalha de bronze do terceiro lugar; faremos o nosso melhor para ainda progredir.”
"SEGUNDO BRASIL HÁ DOIS SÉCULOS"
Os portugueses têm uma ideia de Angola como o segundo Brasil desde há quase dois séculos”, acentua Filipe Zau, angolano de 55 anos e investigador de ciências sociais que acaba de concluir doutoramento em Ciências da Educação na Universidade Aberta de Lisboa, depois de aqui trabalhar como diplomata e funcionário da CPLP.
Para Filipe Zau, a ligação entre Portugal e Angola vem da afectividade desperta pelos contactos, ao longo de cinco séculos entre portugueses e os povos do litoral angolano que, salienta, “começaram por ser a nível igual entre o rei do Congo e D. João II”, apesar de já existirem escravos negros no Portugal medieval.
“A afectividade é mais importante do que a língua comum e os laços culturais. Outra coisa não explica o carinho no Benfica pelo angolano Mantorras”, diz Filipe Zau que antes das “relações assimétricas”, por causa do tráfico de escravos, proselitismo cristão e atitude de conquista, o “rei do Congo teve fazenda em Portugal, os seus filhos estudaram no Colégio dos Lóios e um deles, D. Henrique, foi o primeiro bispo negro e teve diocese nos Açores”. E conclui: “Com o Brasil independente em 1822, as riquezas de Angola tornaram-na num segundo Brasil.”
"O MISTÉRIO DO ÍNDICO"“
O mistério do Índico e aquele cheiro característico da terra e da aragem justificam a grande atracção por Moçambique”, observou Enoque João, presidente da Associação dos Emigrantes de Moçambique em Lisboa e médico homeopata que considera a popularidade de Eusébio só uma referência.
“Podemos falar dele como do Hilário, do Coluna e até do Carlos Queiroz como naturais de Moçambique com grande fama em Portugal e não são só eles que fazem soltar as lágrimas aos que vão e voltam a Moçambique. A afectividade intensa tem mais de mistério do Índico. É qualquer coisa que atrai e nos agarra àquela terra. Os moçambicanos são pessoas simples, sinceras, honestas e humildes que gostam tanto da sua terra que quase não emigram. Em Portugal, somos apenas 4800, muito menos que os angolanos e cabo-verdianos”.
ALIANÇA LIGA À INGLATERRA
O peso da mais antiga aliança histórica de Portugal, que remonta aos finais do século XIV, reflecte-se ainda nas preferências de muitos portugueses. Afinal, foi de lá que na primeira crise de independência, em 1383-85, veio o apoio militar e também uma princesa, D. Filipa de Lencastre, mãe da ínclita geração. Portugal retribuiu com D. Catarina que levou o tradicional ‘chá das 5’. Os dois países mantiveram a aliança, apesar do choque do Ultimato de 1891 e alguns graves prejuízos económicos para os portugueses.
ADMIRAÇÃO PELA SUÍÇA
A Suíça é a surpresa da sondagem CM e vai além do facto de uma portuguesa, Adozinda Silva, ser n.º 2 na lista do Partido que no próximo domingo disputa a 2.ª volta das eleições comunais suíças. Fabienne Chappuis, cônsul helvética em Lisboa, deu a sua opinião ao CM: A escolha reflecte as boas experiências vividas pelos emigrantes na Suíça e que eles transmitem aos familiares e amigos. Sei que os portugueses consideram a Suíça um país muito bem organizado, onde tudo funciona bem. Após 20 anos a trabalhar lá dizem-nos que tornamos fáceis as burocracias mais difíceis.”
O NOSSO MUNDO: A GEOGRAFIA DO CORAÇÃO
Brasil - 35,7%
Espanha - 13,3%
França - 11,4%
Inglaterra - 5,5%
Suíça - 4,3%
Moçambique - 4,3%
Angola - 3,2%
Itália - 2,5%
EUA - 2,0%
Alemanha - 1,6%
Timor - 1,4%
Suécia - 1,0%
Austrália - 1,0%
Holanda - 0,9%
Canadá - 0,8%
Dinamarca - 0,7%
Cabo Verde - 0,6%
JOÃO VAZ - CORREIO DA MANHÃ - 26.03.2006
NOTA: Pois é: Moçambique lá tão longe e tão perto...