Editorial
Para um camponês, trabalhar significa lavrar a terra, semear algo e colher o resultado. Para um escritor, trabalhar significa produzir e colocar no mercado obras literárias.
Para um jornalista, trabalhar significar produzir notícias, reportagens e/ou crónicas e colocá-las a consumo público, através dos meios de comunicação social. Para um músico, trabalhar significar produzir obras musicais e colocá-las a consumo público através de fitas magnéticas, cassetes-áudio, vídeo, DVD e/ou espectáculos públicos.
E para um governante, trabalhar é o quê? Será que visitar uma aldeia assolada pela seca e dali sair com promessas de “vamos estudar a situação”, é trabalhar?
Será que visitar uma aldeia com camponeses aflitos pelas cheias que dizimaram as suas culturas e sair dali repetindo o refrão de que o “governo vai analisar a situação”, ou “vamos canalisar a vossa preocupação para quem de direito” é trabalhar?
É que estamos a ficar cada vez mais estarrecidos com a multiplicação de deslocações de ministros, governadores de províncias, administradores de distritos, chefes de posto administrativo para diversas localidades do País, apenas para ir “constatar a situação” e prometer “estudar a solução”, estudo do qual nunca volta nenhum “feedback” para as populações que continuam a aguardar, anos a fio, pela promessa feita.
Estes dias, está na moda a deslocação de ministros e vários outros dirigentes de nível central para as fronteiras nacionais, alegadamente, para verificar a situação da gripe aviária. A nossa pergunta é: chegados à fronteira, o que é que, exactamente, verificam os senhores ministros? Abrem as bagagens dos viajantes para ver se levam ou trazem alguma ave morta ou com febre? Será isso trabalho ou turismo de mau gosto?
Esta semana, a Rádio Moçambique citou fontes governamentais a dizer que para prevenir a febre aviária, Moçambique necessita de 15 milhões de dólares mas, caso não consiga prevení-la, e a mesma comece a contaminar pessoas, então, serão necessários cerca de 500 milhões de dólares americanos para salvar vidas humanas! Esta informação, veiculada assim como foi veiculada, deixa, no ar, muitas perguntas preocupantes, a exigirem um rápido esclarecimento da parte das fontes dessa informação, nomeadamente:
Os 15 milhões de dólares necessários para a prevenção são para comprarem o quê, exactamente?;
Estarão eles já assegurados pelo governo do País? Estará uma parte já a ser utilizada para a tal prevenção? Quanto é que está sendo aplicado, e em quê?;
E os cerca de 500 milhões de dólares badalados, alegadamente, para salvar vidas humanas são para salvar quantas vidas?
Desse meio bilião de dólares quanto é que já está, preventivamente, assegurado?
E qual é a estimativa da mortalidade populacional, caso não se consiga assegurar tão elevada soma pecuniária? E qual foi a base de cálculo para se chegar à conclusão de que o País precisa de 500 milhões de dólares?
Qual é o plano de emergência que o governo de Moçambique está, neste momento, a aplicar para impedir a entrada e propagação da gripe aviária no País? Quantas pessoas estão a fazer o quê nesse sentido?
Como já conhecemos bem o funcionamento do nosso País, estamos muito preocupados com a “dolarmania” dos nossos dirigentes, para financiar a inacção generalizada.
Quer dizer, depois, na hora de balanço, alguém poderá verificar, com a mesma tristeza com que já verificámos muitas vezes, que parte significativa do dinheiro de prevenção da febre aviária foi gasta em aluguer de viaturas, ajudas de custo, passagens aéreas, “perdiems”, alojamento em hotéis, lanches, almoços, jantares de confraternização, ou seja, tudo, aparentemente, nada parecido com trabalho preventivo da febre aviária.
O resultado final disso, é termos muita movimentação de pessoas, muito dinheiro gasto e nada de concreto realizado, como já aconteceu, nesta terra, em diversas ocasiões.
O problema de fundo, é que os nossos governantes deviam trabalhar sob indicadores claros e inequívocos de seu desempenho, o que permitiria a todos nós fiscalizarmos o seu dia a dia, pois eles são funcionários do Estado, pagos pelos impostos da população, para servir a essa população, de forma produtiva e menos onerosa.
Visitar um aviário, visitar uma aldeia, uma escola, lamentar e de lá voltar sem ter deixado nenhuma medida concreta e de realização verificável, não é trabalhar, é esbanjar o dinheiro do povo, é enganar os incautos deste País.
Visitar um povoado assolado pela seca, à beira de um rio de curso permanente, e sair de lá sem ter deixado instruções e ensinamentos claros sobre como o povo pode transportar aquela água do rio para combater a seca nas suas machambas, não é trabalhar, é brincar, à custa do dinheiro do povo.
Pegar em milhões de dólares do PROAGRI e comprar four by four, mobiliário de luxo para os gabinetes, distribuir ajudas de custo a “torto e direito”, e não se lembrar de comprar motobombas para as populações mudarem do tipo de agricultura que as empobrece há séculos, não é trabalhar, é abusar da ignorância deste povo, é sugar o seu sangue, para o enriquecimento de uma elite de tecnocratas apadrinhados pelo poder político.
Neste sentido, desafiamos os nossos governantes a mostrarem-nos trabalho palpável e concreto, trabalho mensurável através de resultados no terreno, e não espectáculos ridículos só para garantir uma visibilidade gratuita na ribalta da comunicação social.
Este País precisa, muito rapidamente, de mostrar seriedade em tudo o que faz e diz, sob pena de continuar subalternizado no contexto das nações.
Quando o povo elege um governo, quer ver esse governo a produzir coisas concretas e não a realizar “visitas” folclóricas só para se dizer que alguém “está a trabalhar no terreno”.
Salomão Moyana - ZAMBEZE - 23.03.2006