Coluna
DIALOGANDO
A ÁFRICA NEGRA COMEÇOU MAL?
por João Craveirinha
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(Ensaio escrito em 2003 e lido, em 2004, por David Borges na RDPÁfrica em Lisboa - Portugal)
“O PODER – UMA MOTIVAÇÃO COMO DROGA E UM FIM EM SI MESMO”
(in WOLE SOIYNKA, escritor e filósofo Nigeriano Prémio Nobel)
O livro “L'AFRIQUE NOIRE EST MAL PARTIE” (A África Negra Começou Mal), seria como uma “profecia” do cientista social e engenheiro agrónomo francês, René Dumont, ao escrevê-lo em 1966 sobre o modelo económico, social, urbano e rural adoptado pelos novos Países Africanos Independentes, repetindo erros coloniais. Mal poderia supor René Dumont (n.13. 03. 1904 – m.18.06. 2001), o quão perto andaria da actual realidade africana. René Dumont foi um dos ideólogos de uma Agricultura auto – sustentada – integrada numa Política Ambientalista de Ecologia Consciente.
Actualmente, África cresce dentro de um ritmo de Idade Média em simultâneo com a era moderna dos mísseis Stingers. São os conflitos armados, as questões étnico – geográficas mal resolvidas da era colonial. Crises políticas fruto da ganância do poder e do dinheiro. São também as más planificações dos espaços geográficos populacionais gerando os excessos demográficos nas cidades focos de marginalidade e crime organizado a aluguer muitas das vezes com o beneplácito de políticos corruptos que alugam esses serviços. Só que de quando em vez esses mesmos políticos perdem o controlo e são engolidos pelo crime que incentivaram. Temos entre outros, os exemplos da Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim, Ruanda, Congo ironicamente dito democrático e mesmo muito próximo de nós; o Zimbabué.
(O caso da região de Darfur no Sudão é outro exemplo de “milícias” Djan – dja - uid a soldo do Governo, eventualmente, não obedecendo a seus “clientes” governamentais, continuando, na insanidade de uma limpeza étnica.)
No caso moçambicano o governo, ao negligenciar uma política de emergência urbana e suburbana de contenção demográfica e de regresso “às origens” rurais da maioria da população excedente das cidades, adia um problema que cresce monstruosamente. Necessária uma política que estude a dinâmica populacional das migrações e implemente soluções “draconianas” pois poderá afectar a nossa Democracia incipiente pela insegurança civil criada nas cidades em particular Maputo, Beira, Quelimane e Nampula. As populações “fogem” do mato e das zonas rurais engrossando as já saturadas áreas periurbanas ou suburbanas. Antes era a guerra e agora?
NÃO TENHAMOS DÚVIDAS: A MAIORIA da CONCENTRAÇÃO POPULACIONAL em MOÇAMBIQUE ENCONTRA-SE NOS CENTROS URBANOS E SUBURBANOS. Dizer o contrário é pura demagogia eleitoral. Quantos habitantes têm as cidades de Maputo, Beira, Tete, Quelimane, Nampula, Pemba? São muitos milhões concentrados, citando somente as principais urbes.
Fora dos centros urbanos as populações vivem em povoações dispersas e grosso modo a vida pouco mudou depois da Independência exceptuando a Bandeira e a possibilidade de VOTAR em ELEIÇÕES – aí sim a grande EVOLUÇÃO CÍVICA visível mas somente após a assinatura a 4 de Outubro de 1992 do Acordo Geral de Paz – AGP, entre a FRELIMO e a RENAMO. Na passada segunda – feira Moçambique celebrou os 12 anos do AGP em Itália, Roma. (Nota: em 2004).
Em Moçambique, as estratégias políticas e económicas irrealistas adoptadas após a Independência, utilizando modelos que haviam falhado noutras partes do mundo, teriam o seu catastrófico efeito aos dias de hoje. As teorias económicas de Charles Bettlelheim sobre “Planificação e Crescimento Acelerado” até que ponto seriam mal interpretadas? A Guerra-fria teria de certa forma mantido o “status quo” da “estável” instabilidade política e social, contraditoriamente. Era o fenómeno da “quietude” das águas lodosas e turvas de um pântano.
Que Futuro Melhor para Moçambique e uma África dilacerada e cada vez mais a saque? No passado os grandes saqueadores vieram de além-mar – da Arábia e da Europa e na Escravatura tiveram o apoio de muitos chefes, Reis e sobas africanos. Actualmente muitos políticos africanos delapidam o erário público e convidam os antigos e novos senhores ao festim das riquezas naturais de seus próprios países. A Comunidade Internacional fechando os olhos às prepotências e arbitrariedades os têm legitimado no poder. A própria Democracia enxertada, tem servido para perpetuar os sistemas autocráticos africanos (e não só), até que um milagre de mudança aconteça. Só que não se sabe se para melhor ou para pior! Ou ainda estaremos perante uma nova RECOLONIZAÇÃO de África pela Europa e pela América?
A África Negra começou mal? Só a História o dirá !!
Livros de René Dumont:
- L'Afrique noire est mal partie – 1966, Editora Seuil
- Cuba est-il socialiste ? – 1970 (Cuba é Socialista ?)
- Démocratie pour l'Afrique. (Democracia para África)
- L'Afrique étranglée (África estrangulada)
- L'Utopie ou la Mort – 1974 (Utopia ou a Morte)
- La Croissance... de la famine (O Crescimento…da fome)
- Le Mal - Développement en Amérique latine (O Mau Desenvolvimento na América Latina)
- Pour l'Afrique, j'accuse – 1989. - Editora Pocket (Por África eu Acuso)
- Un monde intolérable. Le libéralisme en question. - Editora Seuil (Um Mundo intolerável. O Liberalismo em questão).
João Craveirinha
In O Autarca da Beira
Nº 1060 de 28 Abril 2006 sexta – feira