Temo que, de facto, as ideias "fascisantes" continuem a campear por aí. Há coisas que não se perdem nunca nos meandro mais sombrios e secretos da alma humana - o "Lado Negro da Força" ‹ como falava a "Guerra das Estrelas".
Quem de alguma forma sentiu na carne o que foi a perda de décadas de trabalho, certamente estará receptivo a aceitar argumentos que, de alguma forma, lhe tragam algum consolo para a sua amargura. Não compreender isto é uma grave demonstração de intolerância e depois taxar de "porcos fascistas" quem sofreu os embates da descolonização vai fazer com que essas camadas de portugueses se identificam de forma mais enraizada ainda com o Antigo Regime.
Apelidá-lo de "Fascista", parece-me um exagero. Fascismo (como o praticaram os italianos e os nazis e um bocado até, os espanhóis, nunca nós tivemos). Quem folhear uma obra que considero isenta, como o é a Enciclopédia Larousse( edição dos princípios de 1960 )vai lá ver designado o regime que então vigorava em Portugal como " Ditadura Paternalista".
Mas, claro, se por "Fascismo" tivermos todos os regimes de partido único, sem liberdades formais, controlo da imprensa e polícia política, termos entre as mãos um "Pacotão Gigante", pois houve, há e continua a haver muitas nações e regimes que caberão nesta mesma designação. Portugal, era sim, uma Ditadura. E isto está loge de ser uma designação "macia". Eu vivi 38 anos debaixo da Ditadura. Sinto-me, por isso, habilitado a analisar desapaixonadamente o facto. E devo dizer, para ser honesto, que não gostava. Não gostava mesmo nada. Haver alguém que mandava na Nação sem que para isso tivesse sido legalmente mandatado pela maioria dos seus concidadãos, era uma coisa que me indignava. Mas o pior de tudo, a causa de todos os males, a coisa que eu mais abominava na Ditadura, essa coisa era a Censura!
Os senhores do antigo regime, com Salazar à cabeça, estavam longe da natureza dos chefes nazi/fascistas que dominaram a Itália e a Alemanha. Dirigiam o País em Ditadura e quem julgar que uma Ditadura é uma "brincadeira", está redondamente enganado. O regime perseguia, sim, os membros de organizações políticas como o Partido Comunista, e quem militasse, consequentemente, nestas organizações, garanto que se caisse nas mãos da PIDE, estava metido num sarilho e dos grandes.
Lembro-me, certa vez, em fins dos anos sessenta, na minha empresa apareceram elementos da Polícia Política e detiveram algumas pessoas, uma dessas uma jovem bem enérgica chamada Diana Adringa (não sei se conhecem). Mas mais ninguém foi incomodado. Eu até, nessa altura eu tinha subscrito uma petição para libertar um membro do PC, julgo, que se encontrava gravemente enfermo. Mas nunca fui abordado por ninguém da Polícia Política do Estado. Estive a recolher fundos para a campanha de Humberto Delgado, na empresa onde trabalhava na altura e não fui incomodado. Nos anos setenta, já no consulado de Caetano, eu fazia parte do staff de Artur Portela Filho quando ele publicou as "Fundas", que foram bastante mal recebidas pelo Regime ‹ ninguém apareceu a incomodar fosse quem fosse. Pouco tempo depois, o nosso staff dava curso ao livro de Spínola "Portugal e o Futuro" ‹ que deu uma bronca "desse tamanho" e ninguém apareceu a incomodar-nos nem sequer com atitudes intimidatórias. Disto eu fui protagonista e testemunha.Os comunistas, esses, sabia eu, sofriam e sofriam a sério nas mãos da polícia para que "falassem". Uns falaram outros não ‹ ninguém nasce para ser duro ou para ser mártir e herói; ou se é ou se não é!
Mas então o que é que faziam os Regimes Comunistas aos seus adversários políticos? Ali também havia Partido Único. Faltavam Liberdades Formais. Havia Censura à Imprensa. Polícia Política ‹ também eles eram "Fascistas?"
Fascismo, que eu saiba, tinha o nome baseado nos antigos símbolos judiciais romanos, representados por um molho de varas, que incluiam um machado, e cuja coesão era mantida por "faixas" (fascio) que significavam" a união faz a força"
Benito Mussolini ‹ que foi o inventor do Fascismo ‹ aproveitou isto para designar o seu Partido como o fascio (a força que mantinha a coesão) da União Nacional. União Nacional, respeito pela Ordem e trabalho em prol da Nação não são nem nunca foram motivo para censuras. O pior, claro, foi o aproveitamento que Mussolini e depois Adolf Hitler fizeram destes sentimentos nobres e patrióticos. Por isso houve tanta gente, na altura, para quem o Fascismo era um motivo de esperança, como o foram os movimentos comunistas e socialistas para outros. Sob as piores realizações estão sempre Ideais Nobres que merecem entusiasmo e aprovação. A Ditadura do Estado Novo foi um erro. Era destestável. Abominável. Não é possível encará-la de outra forma. Mas o seu derrube representou também uma onda de arbitrariedades, de violência e de tudo aquilo que o espírito humano é capaz de fazer ‹ a coberto das melhores das intenções!
E houve quem se visse, de um dia para o outro, submerso nessa onda de violência e visse vidas e fazendas destruídas da forma mais bábara e impiedosa. Como não sentir comiseração e solidariedade com esses infelizes portugueses? De que serve agora denegrir quem sofreu e se queixa, com epítetos de "bafientos salazaristas", "fascistas" e outros mimos? Porque é fácil? Então antigamente, quem reprimia quem falasse contra o regime, era "fascista". E agora quem se queixa e sabe "onde lhe aperta a bota" é ele quem vê a sua liberdade de se lamentar coarctada e passa a ser acoimado de "fascista"? Então quem reprime as liberdades alheias o que é, afinal? Voltámos a ter uma "verdade única"? Que não se pode contestar? Que é proíbido pôr em causa? Então agora que nome vamos nós dar a quem se sente "autorizado" a reprimir quem abrir a boca (se calhar de forma menos correcta, é verdade) para protestar contra possíveis injustiças de que foi vítima? Fascista? Em que ficamos? Vamos lá a ter um pouco de tolerância e compreensão para com quem ainda tem chagas abertas no corpo e na alma. Valeu? Paz e compreensão, são coisas que continuam a fazer falta a nós, portugueses. Muita falta, mesmo!
Com amizade
José Pires