Manuel Monge, General na Reserva, é hoje Governador Civil de Beja. Em 1995 concedeu uma importante entrevista a Maria João Avilez que recordo integralmente. Realço, no entanto, as seguintes passagens:
P. - Entretanto, acompanha, a Londres, Mário Soares, então ministro dos Negócios Estrangeiros, para a primeira negociação do cessar-fogo na Guiné. Que descolonização pensavam fazer os militares que rodeavam Spínola? Que "instruções" havia?
R. - Fomos a Londres e, depois, a Argel negociar o cessar-fogo com o PAIGC. A situação militar no terreno era muito difícil e, no campo político, a independência da Guiné, proclamada unilateralmente em 1973, fora já reconhecida por dezenas de países. Apesar disto, o povo da Guiné bem precisaria que não tivéssemos saído com a pressa com que o fizemos... Em Londres, o PAIGC propôs-nos um prazo largo para a nossa saída da Guiné. Só que a situação na Guiné foi pressionada para se reflectir em Moçambique e, principalmente, em Angola, onde não havia problemas militares. Sentimos essa pressão e vislumbrámos essa estratégia, inspirada pela União Soviética e conduzida pela OUA. E que, em Portugal, tinha como grandes aliados a ala radical do MFA e o PCP.
P. - Mas não me respondeu sobre se havia ou não algum tipo de "instruções" para a condução das negociações...
R. - Na véspera de partir para Londres, em 26 ou 27 de Maio de 1974, houve, à noite, uma assembleia do MFA na Manutenção Militar...
P. - O MFA continuava a reunir, a deliberar...
R. - Naquela altura, havia decisões que era difícil serem tomadas por outra instância. Perguntei aos meus camaradas se, nas negociações onde ia tomar parte, devíamos mostrar firmeza no sentido de acautelar os nossos interesses - ainda que nos pudesse acarretar dificuldades militares no terreno - ou se devíamos, como o Otelo defendia (e veio, aliás, a fazer com o Samora Machel!), considerar os movimentos emancipalistas credores de total apoio e confiança. Numa acalorada discussão, a maioria da assembleia concordou com a minha posição. Com essa disposição segui para Londres. Mas os líderes radicais do MFA faziam o jogo da parte negociadora adversa (chegando a encontrar-se às escondidas com os líderes africanos...), inviabilizando assim, totalmente, os esforços dos negociadores portugueses, nomeadamente dos ministros Mário Soares e Almeida Santos.
P. - Quem se encontrou às escondidas com quem? Quem fazia o jogo da parte adversa?
R. - O marechal Spínola conta tudo isso em pormenor no seu livro "País sem Rumo". Os nomes estão lá todos!
P. - Estou a entrevistá-lo a si e não ao marechal Spínola... A sua ideia da descolonização é negra! Não é vulgar ouvir um militar com responsabilidades no 25 de Abril acusar outros militares de forma tão frontal...
R. - Só para a descolonização era preciso uma entrevista! Apesar de feita tardiamente (reconheço isso), deveria ter sido conduzida doutro modo. Na altura, o MFA radical e os seus aliados políticos chamaram-lhe descolonização exemplar; agora dizem que foi a descolonização possível. É falso. Foi a descolonização que os líderes do MFA quiseram, inclusive curto-circuitando, secundarizando, ultrapassando os ministros civis do Governo que tomaram parte nas mesmas. Perseguindo e prendendo, e deixando levar à morte em África e Timor - como Joana Simeão, Magiolo Gouveia e tantos outros -, aqueles que tentaram opor-se. Começou a sua série de entrevistas com o tenente-coronel Melo Antunes, que nos acusou - a nós, o grupo próximo do general Spínola - de lhe termos dificultado os seus projectos descolonizadores. Foi óptima essa confissão de Melo Antunes. É que não me revejo nessa descolonização exemplar que provocou a terrível guerra civil de Angola, o genocídio do povo de Timor e a mais horrorosa miséria em Moçambique. Mas, em Macau, provou-se que poderia ter ocorrido uma descolonização diferente...
P. - Porquê?
R. - Também ali havia uma célula do MFA radical a desestabilizar... E o governador Garcia Leandro teve a clarividência e a coragem de a expulsar de Macau... Recordo-me de que um deles, o Quitério de Brito, quando cá chegou, foi logo nomeado pelo Vasco Gonçalves para o V Governo! Gostaria de acrescentar que, há pouco tempo, o ex-Presidente Aristides Pereira disse aquilo que muitos de nós bem sabíamos... O povo de Cabo Verde teria preferido ficar a fazer parte de Portugal, obviamente com um estatuto autonómico, que depois se definiria. E assim teria sido se se tivesse cumprido o estabelecido no Programa do MFA. Vou contar-lhe um episódio da descolonização de Cabo Verde: poucos dias depois do 11 de Março, estava eu preso em Caxias, ao passar por um corredor vi uma cela cheia de indivíduos de cor. Soube pouco depois que se tratava dos líderes dos dois partidos cabo-verdianos que, após o 25 de Abril, se organizaram em Cabo Verde... Um belo dia, foram presos e enviados para Caxias. E soube também que as segundas figuras desses partidos foram mandadas para o Tarrafal... Algum tempo depois, o PAIGC conseguia implantar-se em Cabo Verde. Mas quando, anos depois, houve eleições livres, foi o que se viu...
Leia a entrevista completa:
Download entrevista_com_manuel_monge.doc
NOTA:
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