Por Fernando Lima
No espaço amplo e confortável de um hotel do grupo Aga Khan, o “boss” do “grupo Nation” explica as oportunidades perdidas do Quénia, quando nos anos 60 os seus indicadores económicos não estavam tão distantes de Singapura, Malásia, a Tailândia e as Filipinas.
O executivo fala grosso, curto. Com autoridade. É apenas o chefe do mais poderoso grupo media da África Oriental que estende os seus interesses à Tanzânia e ao Uganda. Os seus produtos estendem-se pelos jornais, revistas do coração, rádio e televisão. As tiragens põem em sentido qualquer casa editora europeia. As suas tipografias fazem sair à rua diariamente meio milhão de jornais em língua inglesa e swahili. Sem ser um afro-pessimista, o executivo interroga-se em voz alta sobre o que correu mal para os “tigres asiáticos” terem disparado nos últimos 20 anos, deixando irremediavelmente o Quénia para trás.
O índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas em 2005 não pode ser mais explícito. Singapura está entre os 25 mais avançados, a Malásia está no 61º lugar, a Tailândia no 73º lugar, as Filipinas no 84º e o Sri Lanka no 93º. O Quénia ocupa o 154º lugar e os seus pares da comunidade da África Oriental estão no 144º posto, o Uganda e a Tanzânia no 164º lugar. O executivo queniano fala de falta de ambição e as “querelas típicas dos políticos africanos”. Sobre a primeira, aponta que as metas devem ser Nova Iorque ou Frankfurt e não se deixarem ficar tranquilos por Nairobi ser mais desenvolvida que Dar-es-Salaam.
Sobre as quezílias disse que o jantar não dava para as enumerar todas: seis dos seus jornalistas foram expulsos da Tanzânia por as autoridades deste país se terem recusado a renovar os vistos de trabalho. Em Kampala, a polícia de Yoweri Musseveni fez um “raid” às instalações do jornal “Monitor” destruindo equipamento e consumíveis e prendendo jornalistas. Em Nairobi, há duas semanas, a polícia foi ao grupo rival “Standard”, destruiu e danificou computadores, impressoras e inutilizou bobines de papel. Nós outros que nos orgulhamos da SADC só podemos ficar encolhidos na nossa pequenez perante os números da África Oriental.
Concretamente no nosso país, há apenas um semanário que ultrapassa a casa 10 mil. Em Luanda, a maioria dos semanários imprime pouco mais de mil exemplares numa tipografia que prepara os jornais página a página. Fui de novo à “bíblia” das Nações Unidas para tentar compreender os números esmagadores dos nossos vizinhos do norte e a sua verdadeira explosão de canais de rádio e televisão regionais. Os PIBes (Produto Interno Bruto) per capita não explicam muito. O Quénia tem 450 dólares, Moçambique tem 230, mas a Tanzânia tem apenas 287 e o Uganda 249. Os telemóveis começam a ser “desestabilizadores.
O Quénia tem 50 aparelhos por 1000 habitantes, para 23 em Moçambique. Quanto a ligações à Internet, o Quénia regista 18 por 1000 habitantes, Moçambique fica-se pelas 6. Provavelmente há dois elementos que explicam melhor o sucesso do “boom” da comunicação social na África Oriental e o seu modelo de expansão regional (apesar dos obstáculos dos políticos). A comunicação em swahili não tem fronteiras entre os três países. As taxas de alfabetização são bem mais elevadas que em Moçambique: Quénia (73,6%), Tanzânia (69,4%), Uganda (68,9%). Moçambique: 46,5%. O tempo não deu para explorar outros mistérios que explicam o porquê de quenianos, ugandeses e tanzanianos lerem tão avidamente centenas de milhares de jornais. Todos os dias.
SAVANA - 14.04.2006