Percurso de um drama ou história de uma cabala?
Os mineiros moçambicanos que vão para o «John» (África do Sul) e por lá morrem não deixam apenas o luto nas suas famílias, também deixam aos seus herdeiros, sobretudo às viúvas, uma tormenta para receberem o dinheiro que ficou retido em mãos da entidade empregadora sul-africana sob alegação – quando ainda em vida – de que um dia esses valores seriam enviados para Moçambique e, cá, reavidos pelos próprios.
Fomos ouvir as partes na tentativa de podermos vislumbrar explicação plausível para o autêntico drama em que é transformado o dia-a-dia de mulheres que depois de privadas dos seus maridos simplesmente por força da sua condição de emigrantes, acabam ainda por se verem definitivamente remetidas à condição de viúvas ao os perderem por lá. Mais grave – e é disso que aqui tratamos hoje – despojadas pelo sistema, de toda a pouca herança a que era suposto terem direito.
Das partes ouvidas percebemos que ninguém tem soluções para o drama das viúvas dos mineiros, mas todos alegam que estão a envidar “esforços” tendentes a encontrarem uma solução para o problema. O facto relevante é que o problema arrasta-se há anos e as viúvas dos mineiros são, não só as únicas vítimas, como, também, as que nada podem fazer para alterar o quadro.
Para se perceber melhor, contar o seguinte: os mineiros em funções têm um certo valor a receber mensalmente. Não é todo ele pago «cash» pela entidade empregadora, a empresa mineira. Parte é entregue ao mineiro, outra parte é retida sob alegação de que o trabalhador receberá esse valor quando regressar a Moçambique. Quando é o próprio trabalhador, de férias, que se dirige pessoalmente à entidade coordenadora do recrutamento de mineiros de Moçambique para as minas na África do Sul – a «TEBA, Lda», isto já em Maputo – geralmente não há problemas. O pagamento tem sido feito. Não conhecemos reclamações.
Os problemas surgem quando o mineiro não volta porque faleceu no «John». As viúvas passam tormentas para receber o que lhes é devido. E, no vai-vem a que são sujeitas, a vida dessas senhoras passa a ser terrível. Algumas chegam a ponto de irem à África do Sul, aos escritórios da que foi a ex-entidade empregadora do marido, e à «TEBA, Lda» (ex-Wenela) e a tudo o que é sítio, acabando sem sucesso.
O que diz a AMINO
Segundo o presidente da Associação de Mineiros Moçambicanos, (AMIMO), Moisés Uamusse, a culpa por a viúva não conseguir receber o que era do falecido marido “é das empresas de lá” e não de qualquer outra entidade relacionada com o processo em Moçambique. Ele falava da parte dos salários que todos os meses é retida para pagamento posterior em Moçambique. Essa parte que é sempre paga quando o mineiro vem de férias, mas as viúvas nunca mais conseguem reaver se se der o caso do mineiro morrer por lá.
Depois ainda há outros valores que nunca são pagos às viúvas: a pensão de reforma e as indemnizações por morte em serviço na mina.
Uamusse explica que “os moçambicanos nas minas da vizinha África de Sul não tem pensão de reforma porque não consta nos acordos existentes há 30 anos entre os dois países”. E “com as indemnizações por morte do mineiro” – diz ele também – “passa-se o mesmo”.
“Notamos uma avalanche de vai-e-vem das viúvas ou mesmo da família para obterem os benefícios dos entes queridos como também as indemnizações”, disse Moisés Uamusse ao «Canal» .
O presidente da Associação dos Mineiros Moçambicanos lamentou ainda o facto de as viúvas encontrarem dificuldades para poderem beneficiar de dinheiro deixado retido pelos seus entes queridos, nas empresas mineiras: “é triste vermos tantas viúvas de um lado para o outro à procura dos seus benefícios”.
Ele acrescentou que muitas viúvas não têm condições de alojamento, alimentação e transporte para as deslocações ao «John». E algumas – insiste – acabam “vezes sem conta, elas também, perdendo a vida”. “Com isso os benefícios nem chegam às mãos dos demais herdeiros”.
O presidente da AMIMO disse depois que, “por causa da existência de algumas minas privadas estarem afastadas umas das outras”, na África de Sul, “o Ministério de Trabalho e a TEBA não interferem quando as viúvas necessitam dos seus benefícios”. Como se não houvesse correio electrónico, correio postal ou mesmo telefones ou faxes...
Segundo ele, a «Mineworkers Provident Fund (MPF)» e «Union Of Mineworkers» – ambas empresas de seguros sociais sediadas na África de Sul – reconheceram a morosidade do trabalho que estão a desenvolver. E, também reconhecem o facto de estarem a colocar em risco a vida das viúvas dos mineiros moçambicanos com os actuais transtornos que tudo o que atrás descrevemos lhes vem causando.
O que diz o Ministério do Trabalho
Entretanto, o Secretário Permanente (SP) do Ministério de Trabalho (MT), Tomás Bernardino, disse ao «Canal» que as viúvas devem aproximar-se do Departamento Migratório do Ministério do Trabalho a fim de colocarem os seus problemas. “Através de ofícios o nosso departamento intercederá depois no processo de modo a que elas não enveredam pela via de deslocação para a vizinha África de Sul”. “Por este método evitar-se-à que elas sejam aldrabadas por pessoas de ma fé ou mesmo burlões”. Bernardino deixa assim subentendido o que qualquer um de nós deduz de toda a trapaça aqui descrita.
Ao recomendar como recomenda o SP do MT está a sugerir às viúvas algo que elas já se fartaram de tentar sem resultado líquido. Elas sempre vão à RSA porque por cá já viram o que a casa gasta.
O SP não contesta. Reconhece que as viúvas se deslocam por haver localmente morosidade no processo. Promete-se muito, mas não se faz nada.
Bernardino sabe que as viúvas acabam por ir ao «John» pessoalmente por também verem que os préstimos do «MT» não servem para lhes trazer a solução. “Vezes sem conta as viúvas ao atravessar a fronteira pensam que vão conseguir os seus benefícios, mas acontece que ficam plantadas na África de Sul”, conclui como que a dizer que também por lá não há solução.
O que diz a «TEBA»
O representante Regional Moçambique/Suazilândia da «TEBA, Lda» (equivalente à ex-Wenela, empresa recrutadora de mão-de-obra moçambicana para as minas da RSA), José Carimo, também reconhece a morosidade do processo e vai dizendo que “existe um esforço que está a ser desenvolvido no sentido de minizar o tempo de espera como também dentro deste ano as viúvas vão deixar de andar num vai-e-vem à procura dos seus benefícios”.
Ele chega mesmo a garantir que a morosidade dos processo vai melhorar a partir de 2006 porque a empresa sediada na África de Sul Mineworkers Provident Fund, (MPF), vai trabalhar directamente com eles.
O que Carimo promete é quase um 2006 milagroso... Ver-se-à nos próximos meses que nos separam de 1 de Janeiro de 2007 se esta vontade expressa e sublime de se resolver um problema que dura há mais de 30 anos – apesar de todos os “esforços” somados – não vai continuar a ser um drama para as viúvas por mais 30 anos!?...
As senhoras vítimas desta autêntica cabala suspeitam que há um grupo pelo caminho da papelada que deve estar a governar-se bem com os valores que lhes pertencem chegando mesmo a dar como exemplo o caso dos «magermanes». E note-se, por fim, que com os números do HIV-SIDA a crescerem os mineiros que não voltam vão tornando este problema cada vez mais rentável...
(Conceição Vitorino)
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