Por A. Luís Moreira
Até aos 9 anos,estudei na Beira na ESCOLA DE ARTES E OFÍCIOS e foi ali que começei a sentir o racismo na pele e de tantos colegas meus "coloridos" como eu!
Naquela escola de padres católicos(supostamente ???),havia separatismo em quase tudo: para os brancos e não brancos! O racismo era tão patente naqueles padres, que embora garoto, comecei também a duvidar muito dos bons princípios da Igreja Católica. Como poderia eu acreditar, se estava a ser vítima de comportamentos declaradamente racistas, contrários ao que eles apregoavam nas missas e outras actividades religiosas, como ?
Para terem um ideia,vou contar este triste e marcante episódio:
No dia anterior à nossa 1ª comunhão, os padres resolveram juntar todos, para que praticássemos a "toma" da hóstia! De repente, dentro da própria capela, resolveram mais uma vez separar os brancos dos "coloridos" (goeses como eu, mestiços, indianos, chineses, etc) e o que fizeram?
Deram hóstias verdadeiras aos brancos e a nós o que deram?
Rolha cortada! Rolha cortada muito fininha, conseguem visualizar a humilhação?
Por muito que alguém quizesse reclamar ou recusar a engolir tal "atrocidade", era impossível, porque senão os padres aplicavam castigos corporais e outros, que não eram nenhuma brincadeira. E eu calava-me em casa, porque meus pais já tinham uma grande cruz e não queria levar mais dores de cabeça. Minha mãe, senhora de forte personalidade, não ficaria quieta ,como não ficou em tantas outras situações que fui dando conta!
Ao longo da minha vida, fui carregando esses traumas comigo, até porque tive um acumular de situações injustas e duma prepotência vil, repudiante não só desses déspotas dos padres como também na vida profissional mais tarde!
Mas jurei a mim mesmo que iria vingar-me e como? Tentando chegar o mais longe possível, em todos os campos da vida, com honestidade e sentido de muita justiça!
Uma Vingança pela Positiva, porque vingarmos pela negativa é descer ao nível de quem nos faz mal.
Trabalhei 35 anos na Manica Trading, tendo sido Chefe de Exportação durante anos a fio, sem hipótese de subir, tal era o racismo (de novo esse mal maior) e só depois de muitos anos, fui gerente adjunto, numa altura em que os ingleses já andavam desnorteados com o rumo que Moçambique estava a tomar depois da Abrilada e quando muitos já estavam de saída! O Luís Moreira já tinha provado e comprovado suas capacidades há muito tempo, modéstias àparte, mas tinha um contra: era demasiado castanho escuro (com muita honra-diga-se aliás)! E embora, o racismo não fosse tão descarado como na Africa do Sul (apartheid) , praticava-se de forma camuflada mas com uma carga humilhante bastante forte!Não eram racistas muitos portugueses humildes e de boa índole, eram aqueles que fazendo uso de sua pele branca e de uma certa esperteza, davam graxa aos ingleses e assim subiam. Nem todos, mas no meu caso, diria, grande parte! E digamos que sua competência era bastante questionável..mas tinham aquela vantagem: eram brancos! A cor da pele contava muito para os patrões ingleses!
Agora vem a minha maior vitória, se me permitem eu expressar isto até com uma certa euforia.
Quando fui convidado para trabalhar na Cargo Services na Antiga Rhodesia (Zimbabwe), para um inglês que tinha sido meu pupilo e que jamais se esqueçeu do facto, o Brett Roberts, foi-me dado o cargo de director sem hesitações!
Na mesma altura, a Manica Trading-Zimbabwe também veio com ofertas fabulosas, porque afinal o A.L.Moreira tinha o seu valor e pela cor da pele, não deram o que era dele por direito adquirido com muito esforço e sacríficio!
Trabalhei 35 anos, sacrificando-me e à minha família, de todas as maneiras e feitios.
Minha mulher dizia: Luís, leva a cama e mesa para o escritório, tal era a minha dedicação e empenho!Meus filhos cresceram sem a minha presença física como deveria ter sido, mas eles sabem que o pai deles, tinha-os em mente em tudo o que fez na vida. E minha Graziela foi mãe e pai, uma autêntica Lady que esteve por detrás do meu sucesso, digo isto com um orgulho desmedido.
Aqui em ZIMBABWE eu tive logo as portas abertas, carta branca para dirigir uma das maiores empresas daquele país e mesmo dentro do continente africano! Trabalhei até aos meus 77 anos de idade, sete -sete !
Podem achar que estou a ser imodesto, gabarolas e sei lá o que mais, mas para quem foi vítima de racismos inqualificáveis, chegar ao ponto a que chegou, num país que era ainda mais racista que Moçambique, como é evidente, para mim, foi sem dúvida uma Vitória!
Quiz vir para perto da família muito mais cedo, mas não me deixavam, não me queriam longe e fizeram de mim, uma espécie de conselheiro profissional, porque oficialmente, já não podia estar ao serviço com tanta idade!
Na injustiça e em situações de grande carga emocional e que nos façam sentir que somos
umas "matujes" de gente, (perdão pela expressão,mas estou um pouco enervado), nunca devemos cruzar os braços. Desde que saibamos do nosso valor, que a nossa consciência esteja tranquila perante nós mesmos e DEUS, é seguir o caminho da honestidade, de cabeça levantada, sem receios, sermos sempe nós mesmos apesar de todas as armas apontadas normalmente com falsos pretextos, pois essa é a lei dos fracos: pisar, aldrabar para brilhar!
Vi já muito disso na minha vida, mas a verdade prevaleçeu e eu venci, com a graça de DEUS e devo muito à minha mulher e sua eterna condescendência a todos que viram o meu valor e deram-me essa oportunidade!
Posso dizer que um dia, partirei desta vida, com o sentimento do dever cumprido e com a certeza de que a honestidade e os bons alicerces que carregamos dentro nós, vençem qualquer barreira que nos surja na vida.
Dia 25 de Abril farei 82 anos de idade e hoje em dia, apenas uma coisa ainda me magoa profundamente: ver os meus a passaram por situações que acho duma injustiça tremenda. Senti-a na pele de variadas formas, superei e penso que não deve haver nenhum pai que ame seus filhos que goste de os ver espezinhados e injustiçados!
E não vou aqui fazer discursos sobre quem é minha filha Carlita,basta que eu saiba da filha de OURO que tenho e que todos que gostem dela de verdade, o saibam. Acredito que tenham bases para já terem visto quem são meus filhos e a Carlita muito em particular.
Para terminar ,apenas direi um recado à minha filha Carlita:
I am so damned proud of you,darling ,always was and always will!
Carry on being what you are and GOD is there,don´t you worry.
Desculpem-me ,minha filha, minha adorada Carlita, luz dos meus olhos desde pequena tem sido tudo para mim e mãe dela e estamos de facto muito orgulhosos de ter aquela filha abençoada por DEUS e fico-me por aqui!
Um abraço de um pai (triste)*
A.L. Moreira
NOTA: O * é meu. Retirado da net http://groups.msn.com/OsAmigosdeVilaPery/_whatsnew.msnw