Díli, 26 Jun (Lusa) - Mari Alkatiri demitiu-se hoje do cargo de primeiro-ministro de Timor-Leste após um "braço de ferro" com o Presidente da República , Xanana Gusmão, apesar de a FRETILIN ter apoiado a sua continuação à frente do governo.
Numa declaração à imprensa sem direito a perguntas, Alkatiri assumiu a sua quota-parte nas responsabilidades pela crise em que o país se encontra desde o final de Abril, e anunciou que assumirá o mandato de deputado ao Parlamento Nacional.
Alkatiri declarou-se "pronto a resignar do cargo de primeiro-ministro do governo da República Democrática de Timor-Leste para evitar a eventual resignação" do Presidente da República, Xanana Gusmão, que ameaçara demitir-se se o chefe do governo não o fizesse.
O anúncio da demissão ocorreu cerca de 24 horas depois de o comité central da FRETILIN, de que Alkatiri é líder, ter renovado a confiança no primeiro-ministro.
Xanana Gusmão aceitou a demissão de Alkatiri, com efeito imediato, e convocou uma reunião do Conselho de Estado para terça-feira, "a fim de garantir o bom funcionamento das instituições democráticas e uma gestão eficaz da crise nacional enfrentada pelo país".
Poucas horas depois da declaração de demissão, foi anunciado em Díli que o Ministério Público timorense decidiu ouvir Mari Alkatiri, sexta-feira, no âmbito do processo sobre distribuição de armas a civis, que já levou à imposição da medida de prisão domiciliária ao ex-ministro do Interior Rogério Lobato.
Fonte judicial disse à Lusa que a audição de Mari Alkatiri foi justificada com as declarações feitas na semana passada por Rogério Lobato, "que confirmou todas as alegações feitas por Vicente da Conceição Railos".
Veterano da resistência contra a ocupação indonésia, "Railos" acusou Alkatiri e Lobato de terem ordenado a distribuição de armas a civis para eliminar adversários políticos do chefe do governo.
Quando exigiu a demissão de Alkatiri, terça-feira passada, Xanana Gusmã o alegou ter perdido a confiança no primeiro-ministro depois "graves denúncias sobre o seu envolvimento na distribuição de armas a civis" feitas numa reportagem da televisão australiana.
Eleito secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN) em 2001, no I Congresso do movimento enquanto partido, Mari Alk atiri, 56 anos, acedeu ao cargo de primeiro-ministro em 2002.
A sua nomeação para primeiro-ministro decorreu da vitória da FRETILIN, com mais de 57 por cento dos votos, nas eleições de Agosto de 2001, para a Assembleia Constituinte.
Este órgão redigiu e aprovou a Constituição da República que entrou em vigor a 20 de Maio de 2002, dia em que Timor-Leste se tornou independente após 24 anos de ocupação indonésia (1975-1999) e de um curto período sob administração da ONU.
Posteriormente, a Assembleia Constituinte aprovou a sua transformação no actual Parlamento Nacional, cujo partido maioritário, a FRETILIN (55 dos 88 de putados), formou governo.
Mari Bim Amude Alkatiri nasceu em Díli em 1949, no seio de uma família de ascendência iemenita que se fixou em Timor-Leste. Alkatiri é muçulmano e um dos seus irmãos é o líder da comunidade islâmica de Díli, minoritária no país.
Estudou no Liceu de Díli e licenciou-se em Geografia, em Angola, e depois em Direito, em Moçambique, onde se exilou após a invasão indonésia de Timor.
Antes, em 1970, iniciou a sua actividade política com a criação do chamado Movimento para a Libertação de Timor-Leste e, em Maio de 1974, foi um dos fundadores da Associação Social Democrata Timorense (ASDT), que em Setembro do mesmo ano deu lugar à FRETILIN, movimento que defendia a independência imediata da então colónia portuguesa e que depois combateu a ocupação do território pela Indonésia.
Na FRETILIN, foi chefe da delegação externa junto da ONU e, em 1977, fo i nomeado ministro das Relações Externas do governo no exílio.
Nunca tendo vivido a ocupação indonésia do seu país, Alkatiri regressou a Timor em Outubro de 1999, 24 anos depois de ter saído no último voo a abandonar o território antes da invasão integrado numa delegação da FRETILIN cuja missão era alertar a comunidade internacional para a iminente entrada das forças indonésias.
Mari Alkatiri iniciou funções governativas como ministro da Economia na administração de transição para a independência, em Setembro de 2001 e, nessa qualidade, chefiou as negociações sobre os recursos petrolíferos do mar entre Timor e a Austrália, processo que lhe granjeou a reputação de negociador forte e intransigente na defesa dos interesses do país.
O próprio Xanana Gusmão ajudou a fixar este retrato, ao afirmar que Alkatiri é um "homem de carácter" na defesa dos interesses de Timor-Leste com a Austrália, um elogio feito quando do lançamento, em Novembro de 2005, de um livro de discursos do primeiro-ministro.
A demissão do primeiro-ministro segue-se a mais de dois meses de contestação a Alkatiri, acusado de não ter sabido gerir a crise político-militar desencadeada por um movimento de quase 600 ex-militares que abandonaram os quartéis em protesto por alegadas medidas discriminatórias da hierarquia.
Em plena crise, no final de Maio, Alkatiri foi reeleito secretário-geral da FRETILIN, num congresso marcado pela substituição do voto secreto por uma votação de braço no ar, alteração que levou à desistência da única candidatura alternativa, protagonizada pelo embaixador de Timor-Leste em Washington e na ONU, José Luís Guterres.
Nos últimos dias de Maio, as autoridades timorenses reconheceram a sua incapacidade para manter a ordem no país, pedindo a Portugal, Austrália, Nova Zelândia e Malásia o envio de forças militares e policiais, e apelando à ONU para o envio de uma força internacional.
A onda de violência no país provocou cerca de três dezenas de mortos e mais de 145 mil deslocados.
MDR/EL/ASP/PNG.