Acreditava-se que a reversão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa não tivesse impacto negativo no défice público português. A ideia inicial era o recurso ao método de privatização. Terá dado no torto.
MAPUTO – Os moçambicanos acreditavam no desfecho formal em Dezembro, quando Armando Guebuza e José Sócrates assinassem, em Maputo, o acordo definitivo sobre a reversão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa. Tal não aconteceu, tendo sido avançado o mês alternativo de Janeiro, idem aspas.
A ausência de informações oficiais sobre a aparente “estagnação” do processo, pois ninguém diz “coisa-com-coisa”, leva a especulações várias, até que alguém de direito venha a público esclarecer o ponto de situação em que o caso se encontra.
DÉFICE PÚBLICO
Crê-se que Portugal tenha avançado para as negociações convencido de que a transferência do controlo da Hidroeléctrica de Cahora Bassa para Moçambique, atravez do pagamento da dívida, não teria nenhum impacto no défice público português, utilizando a via da privatização.
Provavelmente, os portugueses pretendiam recorrer a uma excepção nas regras da Eurostat - organismo estatístico europeu -, segundo as quais um Estado pode anular ou assumir dívida de uma empresa pública num processo de privatização, sem que isso seja contabilizado no défice.
A regra da Eurostat é clara e determina que quando um Estado anula dívida, a operação deve ser registada nas contas públicas, uma vez tratar-se de uma transferência de capital, ou seja, corresponde a reconhecer que o Estado abdica de receber a dívida a que tinha direito, pelo que tem reflexos negativos no défice público.
A excepção prevista pelo Eurostat é nos casos em que as administrações públicas anulam ou assumem dívidas de uma empresa pública no âmbito de um processo de privatização a realizar numa perspectiva de curto prazo. Nestes casos, a operação de contrapartida não é uma transferência de capital, mas uma operação em acções e outras participações.
Na questão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, atravez do Memorando de Entendimento rubricado em Novembro com Moçambique, o Estado português aceita avançar com a transferência de 67% do capital que tem no empreendimento, em simultâneo perdoar parte da dívida da empresa a Portugal, no prazo de um ano a contar da data da assinatura do acordo formal. Neste caso, o défice não sofre qualquer alteração.
Fontes oficiais portuguesas admitem que o perdão da dívida a Cahora Bassa tenha um impacto negativo no défice português distribuído ao longo de 13 anos. Todavia, as mesmas fontes esclarecem que, considerada tal hipótese, chegou-se à conclusão de que essa via não será adoptada, optando-se por uma resolução que passe por tratar a operação como uma privatização, que aconselha uma reavaliação a zero, também designada ‘write-off’, do valor da participação portuguesa no empreendimento.
Em Maputo, há quem entende que a Eurostat esteja a quantificar o impacto da operação no défice público português. Assim sendo, as perspectivas iniciais de Portugal deram no torto.
A assinatura do acordo definitivo entre Guebuza e Sócrates foi adiada em Dezembro, Janeiro e, mais tarde, em Abril. Agora ninguém se pronuncia sobre o assunto, em termos de previsão de datas.
EXPRESSO(Maputo) - 22.06.2006