MARIZA apresentou sexta-feira, dia 23, em Maputo o que se pode considerar o percurso do fado ao longo do tempo, cantando obras de todas as épocas deste peculiar estilo português.
A "cantadeira", como se define a artista portuguesa, convidada a actuar no nosso país a pretexto de comemoração do 31º aniversário da independência nacional, interpretou temas compostos desde finais do século XIX aos nossos dias. No Centro Cultural Universitário da UEM, Marisza preencheu duas horas cantando fado tradicional, folclórico e o moderno, mas com a novidade de incorporar o batuque neste que ela rotula de "o fado da Mariza". É a sua identidade a entrar para um estilo secular e que identifica todo um povo. O fado de Mariza não tem nada a ver com as lacrimejantes e lamúrias do fado clássico. É uma nova forma de cantar, alegre e menos nostálgico, em que Mariza incorpora rasgos e rufares de tambor típico de Moçambique, terra que a viu nascer em 1973. É uma espécie de reforma ao fado tradicional, com a introdução da percussão. Com este elemento, o lugar do fado passa a ser outro, de dimensões inclusivas. No espectáculo de sexta-feira, o público apercebeu-se de que o fado desenvolveu bastante, por conseguinte, libertou-se do fardo nostálgico da saudade que caracteriza a canção de Amália Rodrigues, por exemplo, e Carlos do Carmo. Mariza fez perceber ao público, que fazia casa cheia, que afinal o fado não está parado, também caminha em direcção à fusão que o empresta outra roupagem. E para confirmar isso, os movimentos coreográficos de Marisa, bem animados, revelaram um fado renovado, sem melancolia, mas sempre com a poesia dos portugueses no "centro" (quiça, no futuro começe a pensar também em José Craveirinha, Eduardo White, Armando Artur, etc).
ELAS AO PALCO
O concerto arrancou com a actuação da cantora moçambicana Mingas, fazendo-se acompanhar de seis artistas, três instrumentistas e restantes coristas que se revelaram à altura de um grande concerto. Mingas teve uma actuação simplesmente brilhante. Aliás isso não surpreende, pois ela é uma das vozes que mais encanta em Moçambique. Mingas cantou pouco - e foi uma pena isso - mas muito forte, encerrando a actuação com "A Lirandzo". Cantou pouco porque o repertório de Mariza era vastíssimo (como mais tarde se viu), obrigando a produção a grandes manobras para a gestão do tempo.
SUBIDA ANGELICAL DE MARIZA
A diva da noite subiu ao palco ainda se estava a sentir Mingas. Tudo parecia um conto de fadas, dentro daquele vestido de glamour, de cor metalizada, própria de ocasião de gala. Escalou ao palco com os bicos dos pés, toda de mansinho, como se estivesse à procura de equilibrar o seu corpo que se ergue numa "estrutura" de quase dois metros. A plateia era também de luxo (só a entrada custava 950 mil meticais), composta maioritariamente por homens de negócio da praça e, também, da comunidade portuguesa radicada no nosso país. A fadista arrancou com o tema "Loucura", que instalou a atenção ao centro cultural da UEM. Mostrou toda a sua potencialidade vocal a partir daí. Cumpriu a sua parte e, no fim, agradeceu: "Khanimambo!". A banda que a acompanhou (António Barbosa, Ricardo Mateus, vasco Sousa, António Neto, Luís Guerreiro e João Pedro) mostrou o profissionalismo que se exige de quem acompanha uma estrela: foi simplesmente bestial. Seria injusto não destacarmos aqui a grande performance do percussionista João Pedro, que com mestria vai ajudando Mariza a introduzir o tambor no fado. Este concerto veio confirmar por que razão Mariza escala os palcos majestosos de Sidney, Londres, Nova Iorque, Moscovo, Paris, Montreal e outros grandes cidades do mundo, "roubando" o espaço que seria dos artistas mais velhos. E assim ouvimos "Quando Me Sinto Só", "Maria Lisboa", "Montras", "Há Uma Música do Povo", "Barco Negro", "Meu Fado Meu", "Duas. Lágrimas", "Cavaleiro", "Recusa", "Transparente", "Feira de Castro", "Sr. Vinho" e "Primavera". Cantou letras de poetas escolhidos a dedo (entre eles Fernando Pessoa, o maior poeta português do século XX) que reflectem o sentimento e amor-dos-homens no mundo. Tudo cantado com muita alma e poesia ante um público atento à sua voz e som dos instrumentos. Foi um espectáculo interactivo, em que Mariza dialogou com os espectadores, desenvolvendo diálogos à volta do que é a sua música. E como era uma plateia acertada, o público soube comportar-se à altura de um grande show (em que não se atende telemóvel, não se tosse, não se conversa, não se entra 15 minutos depois do inicio do concerto, não se fotografa com flash...).
ALBINO MOISÉS - NOTÍCIAS - 28.06.2006