A talhe de Foice
Por Machado da Graça
Desde há muito que defendo a ideia de que o principal problema do nosso País é não existir uma alternativa real ao partido que está no poder. Uma alternativa que seja credível perante o eleitorado, apresentando um projecto político diferente, que permita a escolha no momento da votação.
Se formos a verificar quais são as propostas de governação dos vários partidos políticos existentes no País, desde a FRELIMO e a RENAMO até ao mais pequeno PPPQualquer Coisa, verificamos que as ideias apresentadas são rigorosamente as mesmas. Não há um único assunto importante em que um partido da oposição diga, apoiado em argumentos sólidos, que tem uma proposta diferente.
Embora, desde o fim da Guerra Fria, isso se tenha esbatido um bocado, nos países de democracia mais antiga os diversos partidos defendem posições de diferentes classes sociais e/ou de diferentes linhas ideológicas. Se um partido comunista representa, em geral, os interesses da classe operária e dos camponeses assalariados, baseando-se na ideologia marxista, já um partido cristão democrata representa, de uma forma geral, os interesses da alta burguesia e baseia-se nas opiniões da ala mais concervadora da Igreja Católica. E no meio vão-se situando os outros partidos menos radicais mas representando camadas mais inclinadas para um lado ou para o outro.
Depois temos partidos que representam ideias muito específicas. É o caso, por exemplo, dos partidos ecologistas, que representam os eleitores com preocupações na área da preservação de um ambiente saudável.
Enfim, ao votarem, nesses países, os eleitores estão a dar força a uma ideia de governação e/ou à subida ao poder de representantes de um determinado sector da sociedade. E têm uma ideia clara de quais serão as mudanças que se verificarão na sociedade se ganhar o partido A ou se ganhar o partido B.
Sobre o problema X que existe naquele país, sabem que a solução proposta pelo partido A é num determinado sentido e a solução proposta pelo partido B é noutro sentido.
Agora entre nós nada disso acontece.
E dou um exemplo concreto: está em debate entre as organizações económicas a revisão da Lei do Trabalho. Nela se confrontam as posições entre as entidades empregadoras e os sindicatos dos trabalhadores.
Mas qual é a posição das diferentes forças políticas nacionais sobre esta importante questão?
Não sabemos.
A oposição, de uma ponta à outra, mantém-se calada. Silêncio profundo e pesado.
Dentro do partido no poder, a FRELIMO, acontece uma coisa diferente: como partido igualmente não há manifestação de uma posição mas, através do Governo que dirige e dos seus militantes presentes nas organizações económicas, temos as mais diversas posições. Isto é, há militantes da FRELIMO, nos sindicatos, que defendem posições favoráveis aos direitos dos trabalhadores, enquanto outros militantes da FRELIMO, nos órgãos de defesa dos empregadores, defendem posições favoráveis ao patronato.
É uma confusão total.
Só a título de exemplo vamos imaginar que, amanhã, havia eleições gerais no nosso País. E o António Sitoi, que é operário numa das fábricas da Matola, gostaria de votar num partido que lhe garantisse que a Lei do Trabalho não vai perder aquelas conquistas da classe operária ganhas a seguir à Independência. Em que partido deve ele votar? Que partido é que lhe garante que, se tiver a maioria na Assembleia da República, a Lei será aprovada de acordo com os interesses dele e dos seus colegas?
Creio que, no momento do voto, o nosso António não saberia responder a esta pergunta. Nem ele, nem eu, nem ninguém.
E o mesmo se passa com qualquer outro assunto de interesse nacional.
Antes sabíamos que a FRELIMO defendia ideias marxistas e representava os interesses da aliança operário-camponesa. E eram esses interesses, de facto, que eram defendidos pelos órgãos do Estado. Eram nesse sentido as leis aprovadas no parlamento. Ainda hoje a nossa Lei do Trabalho é considerada uma lei que protege em larga medida os interesses das classes trabalhadoras.
Do outro lado da barricada tínhamos uma RENAMO que, embora nunca tivesse mostrado claramente que ideias defendia, sempre disse abertamente que era contra o marxismo. E, na sua prática internacional, sempre se aproximou dos partidos da direita cristã e conservadora.
Hoje a barafunda é total e, com frequência, se assiste, na Assembleia da República, a debates em que a RENAMO defende posições à esquerda da FRELIMO. O que pode ser, em parte, compreendido pelo facto de os dirigentes do partido no poder serem actualmente todos patrões, empresários com maior ou menor sucesso. E os membros da RENAMO, afastados da mesa do banquete, vão-se sentindo próximos das classes mais desfavorecidas.
Só quem manda é que ganha, afirma um outdoor espalhado aí pela cidade por uma instituição bancária. Nunca uma verdade tão forte foi dita, em letras tão grandes, sobre a nossa realidade actual, embora a publicidade se refira apenas a transferências bancárias.
E é, de facto, este princípio que domina a nossa política. É preciso que o nosso partido ganhe para nos aproximarmos da área do poder e dele retirarmos o maior número de benefícios pessoais possível.
Sem querer saber de ideologias nem de interesses de classe.
E, por este caminho, não creio que se vá longe...
SAVANA - 21.07.2006
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