O novo primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta, reconheceu hoje que a crise militar em Timor-Leste "ainda não está resolvida" e tem de ser tratada "com prudência", pelo que decidiu acumular a pasta da Defesa.
"A crise militar não está resolvida. As feridas são profundas e a instituição tem que ser repensada no seu todo. Há necessidade de diálogo no seio das forças armadas, das forças armadas com a Polícia Nacional e com a sociedade civil", afirmou Ramos Horta, hoje empossado primeiro-ministro.
"Ainda temos alguns militares que saíram das fileiras no dia 3 de Maio e ainda não regressaram. Ainda temos a questão dos peticionários. Ainda temos muito trabalho delicado pela frente e eu quero levar este processo muito a sério, mas com prudência", acrescentou.
Ramos Horta referia-se à questão que esteve na génese da actual crise político-militar, quando cerca de 600 ex-soldados, subscritores de uma petição, protagonizaram em finais de Abril uma manifestação contra o seu despedimento da instituição militar, que degenerou em violência e originou a desintegração da Polícia Nacional e divisões no seio das forças armadas.
Os confrontos ocorridos desde então provocaram três dezenas de mortos e cerca de 150 mil deslocados.
Para restabelecer a segurança, uma força policial e militar de Portugal , Austrália, Nova Zelândia e Malásia encontra-se em Timor-Leste desde 25 de Maio, a pedido das autoridades timorenses.
Ramos Horta disse já ter falado com o brigadeiro-general Taur Matan Ruak, comandante das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL)), sobre a acumulação da pasta da Defesa.
"Falei com o brigadeiro-general Taur e ele disse-me que preferiria que eu mantivesse a pasta da Defesa", frisou.
Relativamente ao seu governo, que se baseará no executivo anterior, liderado por Mari Alkatiri e em que ocupou as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Ramos Horta disse que continua a preferir a diminuição do número de governantes, que eram 43.
"Não vou ainda diminuir o governo. Talvez dentro de algumas semanas, mas isso depende muito da Comissão Política Nacional da FRETILIN. Eu não esqueço que sou um independente num governo do partido maioritário. Tenho que consultar o partido maioritário", considerou.
Na sequência da crise e após denúncias de que estaria envolvido numa alegada distribuição de armas a civis - processo em que será ouvido pelo Ministério Público a 20 de Julho, Mari Alkatiri, líder da FRETILIN, demitiu-se do cargo de primeiro-ministro a 26 de Junho.
Neste momento, o governo é formado apenas pelo primeiro-ministro e pelos vice-primeiros-ministros Estanislau da Silva e Rui Araújo, empossados hoje, em Díli, pelo Presidente da República, Xanana Gusmão.
A posse do restante elenco está marcada para quarta-feira, e a maior parte dos membros do anterior executivo deverá ser reconduzida, mas Ramos Horta indicou que vai efectuar mudanças e que iniciará contactos terça-feira, para "convidar um ou outro ministro [do governo de Alkatiri] para aceitar um posto de embaixador".
"Há muito tempo que prometo um embaixador novo para Lisboa. A embaixadora Pascoela Barreto há muito tempo que me pede a transferência. Também há muito tempo que não preenchemos a embaixada em Washington e Maputo, também a embaixada já orçamentada em Banguecoque e vamos ter que abrir uma embaixada no Vaticano", explicou.
O actual embaixador de Timor-Leste em Camberra, Hernâni Coelho, regressará a Díli para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros.
Ramos Horta disse também que pretende aproximar o seu governo da sociedade civil, para o que vai propor ao Conselho de Ministros a criação de um mecanismo de consulta prévia.
"Quero criar um mecanismo de consulta com a sociedade civil, envolvendo a Igreja [Católica], organizações não-governamentais e intelectuais sobre decisões importantes a serem tomadas pelo governo, suponhamos em matéria de propostas de lei ou investimentos do Estado ou privados, nacionais ou estrangeiros", disse.
O primeiro-ministro timorense considerou que a criação do novo órgão nã o representará uma usurpação de competências do Parlamento Nacional, salientando que no século XXI, o envolvimento da sociedade civil na tomada de decisões "é incontornável".
"Quando [a sociedade civil] não é ouvida, há manifestações de toda a ordem que perturbam as tomadas de posição. Por isso, considero preferível" haver um mecanismo de consulta, vincou.
"Podemos começar por um órgão informal. Vamos ver se dentro de meses pode ser melhor estruturado", disse, frisando que o objectivo é "ouvir antecipadam ente quem representa a opinião pública no país".
"Isso ajuda o governo a repensar as suas opiniões e decisões, antes de as tomar", justificou.
Ramos Horta anunciou igualmente que vai propor legislação que isente a comunicação social do pagamento de taxas na importação de bens e produtos para a sua actividade profissional.
"Além disso, o Estado poderá dar dinheiro para ajudar a pagar salários. Este país tem obrigação de ajudar a imprensa", disse.
Confrontado com a exigência de eleições antecipadas feita por sectores políticos timorenses, José Ramos Horta reconheceu que nem todos concordam com a solução adoptada.
"Alguns partidos da oposição gostariam de ter primeiro eleições antecipadas. Talvez ficassem mais contentes se houvesse ma grande remodelação governamental", disse.
"Mas porque temos eleições dentro de nove meses e estamos perante uma situação económica e humanitária difícil e um quadro emotivo e psicológico complexo, as eleições antecipadas seriam desastrosas. Aliás, as Nações Unidas, a Comissão Europeia e cada país amigo com quem falámos dizem não a eleições antecipadas ", adiantou.
Quanto a alterações profundas no governo, Ramos Horta considera não serem desejáveis.
"O que é que vamos conseguir com isso? Mais atrasos na execução orçamental, mais atrasos inadmissíveis nas respostas à população. Por isso, o President e [Xanana Gusmão], a Comissão Política Nacional da FRETILIN e eu próprio achámos por bem manter o actual gabinete, com algumas mudanças, talvez nalgumas áreas vitais, mais para tornar o governo funcional do que aparecer com grandes mudanças ", salientou.
Sobre a futura missão da ONU em Timor-Leste, afirmou-se partidário de uma presença pelo período mínimo de cinco anos e manifestou-se convicto de que até ao final deste ano, o número de polícias ao serviço das Nações Unidas no país se situe entre os 800 e os mil.
"Quanto às forças de paz ainda não há consenso no Conselho de Segurança da ONU, mas tenho confiança que vai haver aqui uma força de paz, para ficar em Timor-Leste pelo menos até ao final de 2007 e provavelmente até ao final de 2008 ", disse.
Timor-Leste poderá arcar com parte das despesas da missão da ONU, tendo em conta que "os cofres do Estado estão cheios de 'petrodólares'", admitiu o primeiro-ministro.
"Tínhamos há meses cerca de 600 milhões de dólares provenientes do Fundo Petrolífero [criado pelo anterior governo e que prevê a aplicação das receitas petrolíferas em obrigações do tesouro norte-americano]. Esperamos ter até ao final do ano, cerca de mil milhões de dólares. Se for preciso Timor-Leste contribuir também para o encargo desta missão, devemos fazê-lo", defendeu.
Quanto à ausência hoje de Mari Alkatiri da cerimónia da sua posse como primeiro-ministro, Ramos Horta disse compreendê-la.
"Ele pessoalmente não gostaria de ir e compreendo perfeitamente. Devo dizer que para mim a cerimónia foi pesada, devido ao pano de fundo, a crise em que vivemos desde Abril para cá, e também [por] não ter ali o meu amigo e irmão Mari Alkatiri", concluiu.
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 10.07.2006