Espinhas
Por Fernando Lima
Os moçambicanos viveram esta semana o anti-climax da operação Cahora Bassa.
Depois de meses e meses em que a palavra de ordem era a segunda independência do país – houve mesmo reuniões partidárias com cartazes dando o mote – agora ficou-se a saber que as questões não se resolvem apenas porque dois chefes decidiram pôr as suas assinaturas num pedaço de papel.
E como nestas circunstâncias as emoções voam alto, o que em bom português significa potencial de uma excessiva politização do assunto, parece-me curial que se apontem alguns elementos de razoabilidade no processo.
O acordo de Novembro foi claramente um acordo político, foi “exigido” por Guebuza, o novo presidente moçambicano precisava do acordo por motivos muito concretos, decorrentes da nossa tortuosa agenda interna.
As tecnicalidades que foram invocadas na altura são, parágrafo mais, parágrafo menos, as que se colocam actualmente. Como Portugal, apesar dos seus detractores assim acreditarem, não é uma “república das bananas”, não pode mandar às urtigas os pactos com a União Europeia, nomeadamente no que toca às suas políticas orçamentais e o controlo do défice das finanças públicas. Em concreto, Portugal não pode mandar uma cartinha a Bruxelas a dizer que fez o “write off” (eliminação) de qualquer coisa como dois mil milhões de dólares das dívidas acumuladas pela barragem (entre as quais se contam salários anuais de centenas de trabalhadores moçambicanos e chorudos honorários a administradores, quando a barragem não produzia um watt).
Depois, e essa parte também é bem obscura, não se sabe ainda muito bem da engenharia financeira já desenhada para pagar os 700 milhões pelos 67% do empreendimento, uma vez que a primeira tranche (250 milhões) sai dos cofres da própria HCB, ou seja de um activo que é 82% português.
E aqui há várias teorias e vários cenários, nomeadamente a possibilidade de a própria barragem se endividar por força de receitas futuras. Nada de complicado e que não tenha sido feito anteriormente (os angolanos têm uma parte da sua produção petrolífera futura hipotecada). Também aqui é uma questão de cálculos e não pode ser o accionista minoritário e estabelecer as regras de um negócio em que a contraparte detém a parte de leão. Trocado por miúdos, os 700 milhões neste cenário, eventualmente, teriam um prémio no topo do montante a desembolsar e que reverteria para a posição vendedora.
Os moçambicanos, os que gostariam de ver uma verdadeira bolsa de valores a funcionar, os que ainda acreditam no “capitalismo popular” comprando acções em empresas públicas, também gostariam de saber qual a posição do governo em todo este negócio, pois podem ser potenciais interessados na privatização do investimento.
Há muitos outros ângulos a ser abordados do ponto de vista técnico que implicam opções políticas. O que não significa politização do problema.
Em fundo, a barragem está a operar, o seu tarifário é agora considerado como assegurando rentabilidade. O papel com as duas assinaturas feito em Novembro de 2005 não está para ser rasgado. Nem amarrotado.
O que não deixa de fazer com que os sorrisos de orelha a orelha da altura sejam agora trocados por discurso cauteloso.
A tal segunda independência há-de vir.
SAVANA - 21.07.2006