O ex-primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri, foi notificado como arguido pelo Ministério Público para prestar declarações no próximo dia 20, por alegada participação na distribuição de armas a civis. Esta notícia sabe-se no dia em que o alegado esquadrão da morte entregou as armas, numa cerimónia em Liquiçá
O ex-primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri, foi notificado como arguido pelo Ministério Público para prestar declarações no próximo dia 20, por alegada participação na distribuição de armas a civis, disse esta terça-feira à agência Lusa o Procurador-Geral da República timorense.
O procurador-geral Longuinhos Monteiro, que falava no final da cerimónia de entrega de armas de um alegado «esquadrão da morte», salientou que em função das declarações que prestar poderá ser aberto um processo individual contra Mari Alkatiri.
«A primeira chamada (para prestar declarações) que fizemos é como arguido. As acusações são as mesmas que foram feitas a Rogério Lobato. Estão juntos no mesmo processo e depois de ouvirmos (o ex- primeiro-ministro) determinaremos se se abre um novo processo ou se continua no mesmo», afirmou.
O processo de que falou Longuinhos Monteiro fundamenta-se nas acusações de Vicente da Conceição Railos, veterano da resistência contra a ocupação indonésia.
Railos acusou Mari Alkatiri de ter ordenado a Rogério Lobato, então seu ministro do Interior, para armar grupos de civis, as chamadas Equipas de Segurança Secreta da FRETILIN, para eliminar adversários políticos, dentro e fora do partido maioritário.
Rogério Lobato, que já prestou declarações à juíza de investigação, encontra-se sob a medida de coacção de obrigatoriedade de permanecer em casa, por razões da sua própria segurança, segundo disse à Lusa fonte judicial.
O processo em que figuram Rogério Lobato, e que, segundo revelou Longuinhos Monteiro, inclui também Mari Alkatiri, inclui a prática de quatro crimes: associação criminosa, posse ilegal de armas, conspiração e tentativa de revolução, que prevêem pena de prisão até 15 anos.
Mari Alkatiri demitiu-se do cargo de primeiro-ministro no passado dia 26 de Junho, cedendo num braço de ferro com o Presidente Xanana Gusmão, que ameaçou demitir-se se Alkatiri não assumisse as suas responsabilidades pela crise político-militar em Timor-Leste.
A crise, que começou há vários meses com a deserção de um terço do exército por alegada discriminação da hierarquia, levou à desintegração das forças de defesa e de segurança, à entrada de forças militares e policiais estrangeiras e a uma profunda crise política que opôs o Presidente, Xanana Gusmão, ao primeiro-ministro, Mari Alkatiri.
Os incidentes mais violentos registaram-se em Abril e Maio, com um saldo de mais de três dezenas de mortos, mas mais de 150.000 pessoas permanecem refugiadas em campos de acolhimento.
Entrega das armas
Vicente da Conceição, comandante do alegado esquadrão da morte armado pelo ex-ministro do Interior de Timor-Les te, Rogério Lobato, entregou esta terça-feira 11 armas automáticas ao Procurador Geral da República, numa cerimónia em Liquiçá.
A cerimónia foi presidida pelo primeiro-ministro, José Ramos-Horta, que segunda-feira tomou posse na capital timorense, Díli, constituindo esta o primeiro acto oficial do novo chefe do governo.
A entrega de armas a Longuinhos Monteiro realizou-se no campo de futebol de Liquiçá, num ambiente manifestamente anti-Mari Alkatiri, o antigo primeiro-ministro que se demitiu no mês passado.
No local viam-se cartazes a denunciar a alegada entrega de armas a civis, que teria sido ordenada por Mari Alkatiri e que deu origem a um processo pelo qual o ex-primeiro-ministro vai prestar declarações ao Ministério Público no próximo dia 20.
Hoje, depois de entregar as armas automáticas, Vicente da Conceição reafirmou que Mari Alkatiri mandou que o seu ministro Rogério Lobato distribuísse armas a civis, com o intuito de eliminar adversários políticos, dentro de fora da Fretilin (partido de Mari Alkatiri, maioritário em Timor-Leste).
No campo de futebol estiveram milhares de habitantes de Liquiçá, constituindo a cerimónia um pretexto para a cidade viver um dia festivo, como se de um feriado se tratasse.
No final da mesma foi feita uma teatralização da alegada distribuição de armas.
Timor-Leste vive uma crise político-militar que começou há três meses c om o despedimento de cerca de 600 militares que se queixaram de alegada discriminação étnica por parte da hierarquia das forças armadas.
Um protesto desses militares em finais de Abril, em Díli, terminou com uma intervenção do exército, que tentou reprimir a manifestação, tendo morrido cinco pessoas, segundo o governo, ainda que os ex-militares e outros elementos das forças armadas que entretanto abandonaram a instituição tenham falado da morte de cerca de 60 timorenses.
Desde então, mais de duas dezenas de pessoas foram mortas em confrontos entre grupos rivais, incluindo 10 polícias timorenses abatidos por soldados, a 25 de Maio, durante um ataque ao seu quartel, em Díli.
Para restabelecer a segurança no país, as autoridades timorenses pediram a intervenção de uma força militar e policial a Portugal (que enviou 120 efectivos da GNR), Austrália, Nova Zelândia e Malásia.
Mari Alkatiri, o primeiro-ministro do primeiro governo constitucional d e Timor-Leste, acabou por se demitir devido a essa crise, sendo substituído segunda-feira por José Ramos-Horta, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Alkatiri.
VISÃO - 11.07.2006